SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em 3 de novembro de 1992, quando os EUA anunciaram a vitória de Bill Clinton nas eleições, o presidente eleito discursava para uma multidão eufórica no Arkansas, estado então governado pelo democrata.

A 732 km dali, no Texas, George H. W. Bush lamentava a apoiadores a derrota na tentativa de se reeleger. O discurso do vencedor durou 15 minutos, e o do derrotado, cinco. Mas, curiosamente, a fala mais lembrada hoje é a do segundo, que reconheceu o revés rapidamente, citou o início da transição e desejou boa sorte.

"O povo decidiu, e nós respeitamos a majestade do sistema democrático. Acabei de ligar para o governador Clinton, que está em Little Rock [cidade no Arkansas], e ofereci meus cumprimentos. Ele fez uma boa campanha. Desejo-lhe boa sorte na Casa Branca", disse ele, em suas primeiras palavras.

"E quero que o país saiba que todo o nosso governo trabalhará em estreita colaboração com sua equipe para garantir uma transição suave de poder", prosseguiu. "Há um trabalho importante a ser feito, e os EUA devem estar sempre em primeiro lugar. Então vamos apoiar este novo presidente e desejar-lhe o bem."

A harmonia demonstrada ali contrasta com a postura adotada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), que, diferentemente do americano, demorou 45 horas para se manifestar sobre os resultados das eleições.

Quando se manifestou, não citou o nome de seu rival, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nem mencionou como será feita a transição -a tarefa foi designada ao ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP).

Antes de deixar o cargo, Bush ainda deixou uma carta de boa sorte a Clinton no Salão Oval. "Haverá tempos muito difíceis, ainda mais difíceis por críticas que você pode achar injustas. Não sou muito bom para dar conselhos; mas não deixe os críticos desencorajá-lo ou empurrá-lo para fora do curso. Você será nosso presidente quando ler esta nota. Eu te desejo o bem e desejo o bem à sua família", escreveu.

Deixar cartas na mesa do escritório presidencial, aliás, é uma tradição entre presidentes americanos. O destino reservou a Clinton a tarefa de escrever uma carta ao filho de seu antecessor. "Você lidera um povo orgulhoso, decente e bom. E a partir deste dia você é o presidente de todos nós. Eu te saúdo e te desejo sucesso e muitas felicidades", escreveu ao então eleito George W. Bush.

O mesmo ritual foi repetido nas transições de Bush filho para Barack Obama e do democrata para Donald Trump. A tradição, diga-se, foi seguida até mesmo por Trump -ídolo e inspiração de Bolsonaro-, que, de acordo com o atual presidente americano, Joe Biden, deixou uma carta generosa.

O respeito e a cordialidade política entre perdedores e vencedores, porém, não é característica exclusiva dos EUA. É comum no Brasil que candidatos derrotados nas eleições reconheçam rapidamente a vitória de seus adversários e desejem boa sorte ao novo governo. Foi assim com Fernando Haddad (PT) em 2018; Aécio Neves (PSDB) em 2014; José Serra (PSDB) em 2010 e em 2002; e Geraldo Alckmin (PSB) em 2006.

Gerald Ford, um outro presidente americano a não conseguir se reeleger, sintetizou essa tradição em um telegrama enviado ao seu adversário e vencedor do pleito de 1976, Jimmy Carter: "Agora devemos deixar as divisões da campanha para trás e unir o país mais uma vez na busca comum da paz e da prosperidade."


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