ATLANTA, EUA (FOLHAPRESS) - O aposentado Keith McNiar, 64, acordou cedo para votar nesta terça (8) em Atlanta, na Geórgia, pensando nos antepassados negros e escravizados na cidade de Sylvester, no sul do estado. "É a minha obrigação. Voto pelo sofrimento que passaram. Eles nunca puderam votar, e, se tenho esse direito, preciso exercê-lo."
Ele votou nas midterms, as eleições de meio de mandato dos Estados Unidos, que renovam a Câmara, parte do Senado, o governo da Geórgia e de outros 35 estados, além de uma série de cargos locais. Com a perspectiva de perder a maioria na Câmara e a possibilidade de que a mesma situação se dê no Senado, o pleito deve alterar de forma expressiva a segunda metade do governo Joe Biden.
McNiar votou no simbólico Centro Nacional de Direitos Civis e Humanos, maior museu dos EUA dedicado ao tema, no coração da cidade onde viveram ícones do movimento, como Martin Luther King Jr. Ele, que afirma ter se engajado com política já mais velho, depois de Barack Obama chegar ao poder, envolveu-se ainda mais após o turbulento mandato do ex-presidente Donald Trump.
As midterms deste ano podem ter recorde de comparecimento se os eleitores presenciais seguirem a tendência da votação antecipada --em quase todos os estados americanos é possível votar antes do dia da eleição em si. De acordo com o United States Election Project, portal que reúne dados dos pleitos, 45,9 milhões de pessoas votaram até segunda-feira (7), alta de 18% em relação a quatro anos atrás, quando a votação antecipada já havia sido recorde, com 39 milhões de votos.
Um deles foi o dono de casa Bilal Mohammed, 42, que votou há duas semanas para evitar as filas, que ao fim não foram longas nesta terça, ao menos na Geórgia. "Muita gente da minha geração não quer votar porque não viu a luta pelos direitos civis, acha que terá todos os direitos para sempre. E depois reclamam dos políticos. Mas se você não faz sua parte, quem vai fazer?", questiona ele.
Para Trichilli Lundy, 33, as midterms são as eleições mais importantes, porque, "embora o presidente tenha muito poder, o deputado do seu distrito, o seu senador e o seu governador afetam o seu dia a dia."
Apesar de todo o temor de violência política que tem recaído sobre os Estados Unidos, com parcela da população que ainda acredita que a eleição que tirou Trump do poder em 2020 foi roubada, as midterms ocorreram de forma relativamente tranquila nesta terça, sem incidentes graves pelo país.
A percepção é confirmada pelo deputado estadual democrata David Dreyer, que tem experiência em eleições turbulentas. Ele estava na contagem de votos do condado de Fulton há dois anos, famoso após a tentativa de Trump de pressionar autoridades locais a "encontrarem" votos a seu favor.
"Em 2020, trabalhamos por mais de 500 horas nas eleições. Neste ano está muito mais tranquilo", afirma. Ele decidiu não buscar a reeleição, mas ajuda a campanha da namorada, Bee Nguyen, ao cargo de secretária de estado, responsável por supervisionar as leis eleitorais locais.
A Geórgia tem uma das corridas ao Senado mais importantes do país, e a disputa entre o democrata Raphael Warnock e o republicano Herschel Walker pode decidir se o controle do Senado permanecerá com o partido de Biden --se perder a maioria, o presidente deve enfrentar forte oposição a partir de 2023.
Houve incidentes menores. Em Johns Creek, na região metropolitana de Atlanta, dois mesários, mãe e filho, foram removidos do local de votação ainda pela manhã após autoridades identificarem publicações no Facebook que mostravam que eles participaram da invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, quando apoiadores de Trump tentaram impedir a confirmação da vitória de Biden.
"Essa eleição [2020] foi uma farsa. Mike Pence [vice de Trump que se recusou a negar a vitória de Biden] é um traidor", dizia a mulher na publicação, segundo reportou a imprensa local. "Eu invadi o prédio do Capitólio, e meus filhos tiveram o melhor aprendizado da vida deles."
Além disso, o governador da Flórida, o republicano Ron DeSantis, afirmou que não autorizaria a presença de fiscais do Departamento de Justiça dos EUA em três condados do estado. O governo federal mandou representantes para 24 regiões do país, como faz todos os anos, mas DeSantis afirmou que o envio fere a legislação local sobre quem pode estar em locais de votação. O governo de Missouri, outro estado republicano, também afirmou que não permitiria a presença dos observadores federais.
Houve falhas nas máquinas de contagem de votos no condado de Maricopa, no Arizona, onde fica a capital, Phoenix, o suficiente para que Trump voltasse a falar em fraudes. "Somente em áreas republicanas? UAU! Kari Lake [candidata ao governo], Blake Masters [Senado] e outros estão sendo muito prejudicados por esse desastre. Não podemos deixar isso acontecer DE NOVO!!!", escreveu em rede social.
Segundo as autoridades locais, 20% das máquinas no condado não estavam funcionando, mas o problema foi resolvido, e todos os votos serão contados. O Arizona é outro estado considerado crucial na eleição deste ano para decidir quem terá maioria no Congresso. Ao longo da votação antecipada, um grupo armado batizado de "cidadãos pelas eleições limpas" se revezou para "monitorar" os locais de votação, o que foi condenado por autoridades e posteriormente limitado pela Justiça.
Na Pensilvânia, outro estado-chave que deve decidir o futuro do país pelos próximos dois anos, as autoridades da Filadélfia decidiram nesta terça que vão implementar um processo de checagem que pode atrasar em até três dias o anúncio do vencedor, uma tentativa de evitar acusações de fraude.
Na chamada "reconciliação do registro dos votos", que não é exigida pela lei, os mesários comparam todos os votos antecipados com os votos presenciais para garantir que nenhum eleitor votou duas vezes.
Agora, as autoridades tentam fazer com que as próximas semanas sejam tranquilas como esta terça-feira.
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