SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em meio a uma polarização crescente do mundo entre Estados Unidos e China, com a guerra da Rússia contra a Ucrânia como pano de fundo, o G20 fará uma de suas reuniões mais importantes de sua história de pouco mais de duas décadas.

De forma efetiva, os olhos estarão para o reducionismo G2, indicando americanos e chineses como os atores que interessam para todo o resto do mundo. Nesse sentido, a invasão de Vladimir Putin, aliado de primeira hora de Xi, é apenas uma primeira salva a quente no contexto da Guerra Fria 2.0 iniciada em 2017.

Biden e Xi se encontrarão às margens da reunião do grupo das 20 maiores economias do mundo -formado em 1999, após ironicamente uma sucessão de crises que culminou com a quebra da então Rússia de Boris Ieltsin. Será a primeira vez em que ambos se falarão ao vivo desde que Biden assumiu, em 2021. Antes, houve videoconferências.

A reunião ocorrerá na paradisíaca Bali. Putin também era aguardado, mas a sequência de reveses militares em solo ucraniano e o mal-estar da presença entre uma plateia francamente contrária à guerra o fizeram desistir de ir.

Não que a questão russa não estará presente. Biden tem feito acenos ao Kremlin, pedindo nos bastidores para que Kiev aceite a ideia de negociar. A retirada anunciada de Moscou de Kherson, cidade anexada no sul ucraniano, sugere várias coisas, inclusive a disposição de estabelecer uma fronteira desmilitarizada.

Xi é a principal voz no ouvido de Putin, que com o recuo mostrou-se mais flexível do que é usualmente percebido. Ele não foi derrotado militarmente, mas pressentiu a debacle. Poupou forças e deixa em aberto seu real intento.

O russo está no jogo para o longo prazo, contra o Ocidente, não a Ucrânia em si. Xi, por sua vez, comunga da mesma ideia, mas tem problemas mais imediatos para resolver com Biden --para não falar em encrencas paralelas, como a renovada assertividade nuclear da Coreia do Norte.

O principal é a crise econômica que assombra o regime chinês. Após o tombo da pandemia e a recuperação de 2021, a segunda maior economia do mundo está crescendo a passos de país desenvolvido que ainda não é, ao ritmo entre 3% e 4% neste ano.

Há dúvidas acerca da solvência do mercado imobiliário e questões ligadas à disrupção da cadeia produtiva do país devido à política de Covid zero. Mais importante, os EUA declararam uma verdadeira guerra ao estabelecer restrições draconianas para a venda de chips avançados.

Esse mercado de semicondutores é centrado na fulcral ilha de Taiwan, que Pequim considera sua e está em franca preparação militar para a hipótese de tomada à força.

Não por acaso, os EUA elevam cada vez mais o tom de proteção ao sistema democrático só recentemente adotado pela ilha. É uma briga tão ou mais importante do que a tragédia humana na Ucrânia.

Esse contexto, apimentado pela extemporânea visita da presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, a Taipé, só faz a reunião Biden-Xi ficar mais apetitosa. Não se espera anúncio sobrenatural, mesmo envolvendo a guerra europeia, mas só o fato de a reunião ter sido confirmada gera um movimento tectônico, já antecipado pela disposição mútua de negociar questões climáticas expressa na COP27.

Xi acaba de ser elevado a um patamar inaudito de poder na China, com seu terceiro mandato à frente da ditadura comunista. Mas ele precisa dos EUA, dada a interdependência econômica com o Ocidente, e vice-versa. Por outro lado, o temor de cair vítima de um regime de sanções como o que se abateu sobre Putin se faz presente, embora pareça mais provável que Pequim vá dobrar quaisquer apostas.

Biden, por sua vez, chega algo empoderado por não ter sido destroçado nas eleições de meio de mandato nos EUA, tanto que já insinuou sua candidatura à reeleição. Isso o manterá na frequência "falcão" de política externa, mas o fastio com a instabilidade global de preços de energia e alimentos devido à guerra deverá ser objeto de conversa.

O americano irá ouvir pedidos de não interferência, mas também não irá ceder na sua ofensiva militar contra os chineses, promovendo a sensação de que Pequim e suas rotas marítimas estão cercadas pelos americanos e aliados cada vez mais belicosos do Quad (Japão, Índia e Austrália).

Segundo Jake Sullivan, conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, "Biden vê EUA e China envolvidos em uma competição dura, mas ela não deve se transformar em conflito ou confronto".

O assessor disse a jornalistas que seu chefe deve ser "franco e direto" no encontro de cerca de duas horas com o chinês.

Por fim, há um tema subjacente: o do G20, ou G2 ao gosto do cliente, se tornar uma versão mais ágil do desgastado Conselho de Segurança da ONU e o poder de veto que seu cinco membros permanentes (EUA, Reino Unido e França pelo Ocidente, Rússia e China do outro lado) têm.

"O futuro pertence a instituições como o G20", afirma o diretor da Instituição de Serviços Unificados da Índia, o mais antigo think tank do país asiático, general B.K. Sharma. Ele diz que o Conselho de Segurança deixou de promover consensos na política internacional, e aponta para outros entes, como o bloco Brics.

Ideia semelhante tem Wang Wen, o diretor-executivo da Faculdade de Finanças da Universidade Renmin, na China. Ele defende que seu país tem de ter uma voz adicional no mundo, até para enfrentar o que chama de "demonização pela mídia ocidental".

Se falta muito do ponto de vista estrutural, o simples fato de Biden e Xi toparem se encontrar na Indonésia para percorrer novamente as diferenças já explicitadas por vídeo sugere algum avanço possível em alguma estabilidade internacional.


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