MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS) - Há algo de curioso no reino da Dinamarca. A culpa, desta vez, é de um feriado luterano, chamado Store Bededag ou, em português, Grande Dia de Oração.

A primeira-ministra Mette Frederiksen quer abolir a data comemorativa para que a geração de riqueza extra desse dia possa aumentar os gastos da defesa do país em meio à Guerra da Ucrânia.

Mexer com feriado, no entanto, é ponto sensível para todo mundo, e Frederiksen está enfrentando um tiroteio de todos os lados. As críticas vieram da oposição política, dos sindicatos de trabalhadores, dos bispos do país e até de membros dos próprios partidos que compõem a coalizão do governo.

A proposta de revogar o Grande Dia da Oração foi apresentada na semana passada. Nesta quinta-feira (2), a lei será escrutinada pela primeira vez no Congresso e, se passar, haverá duas outras discussões em datas a definir. A Dinamarca possui hoje 11 feriados nacionais, o mesmo número do Brasil.

Segundo cálculos oficiais, o cancelamento do feriado, colocando indústria, comércio e serviços em atividade, geraria até EUR 400 milhões (R$ 2,2 bilhões) a mais para o governo. A maior parte desses milhões viria no formato de impostos.

E isso, segundo o governo, seria usado para aumentar o financiamento da defesa do país. O caso é que, na Conferência de Riga de 2006, a Otan (aliança militar ocidental) estabeleceu que os países-membros deveriam reservar 2% de seu PIB para gastos militares.

A meta, apesar de ter longa data, raramente é atingida, e nunca foi seguida pela totalidade dos 30 países membros do grupo. Em 2014, apenas três nações gastaram 2% do PIB com defesa. O maior número foi em 2020, quando dez chegaram lá.

Newsletter Lá fora Receba no seu email uma seleção semanal com o que de mais importante aconteceu no mundo; aberta para não assinantes. *** Após a invasão da Ucrânia, muitos países declararam que irão chegar aos 2%, entre eles a Dinamarca. Mas no caso deles, a meta seria alcançada apenas em 2033. Com o feriado a menos, o governo estima que chegaria aos 2% em 2030.

No ano passado, o orçamento da defesa da Dinamarca foi de cerca EUR 3,5 bilhões, o que dá 1% do PIB do país (número também bem próximo ao do Brasil). Assim, os 400 milhões extras direcionados do feriado cancelado seriam uma ajuda, mas nem de longe o suficiente, para que o gasto militar chegue aos EUR 7 bilhões que a Otan gostaria.

"Com o ataque de Putin à Ucrânia, há guerra na Europa. A ameaça se aproximou", disse um comunicado do governo de Frederiksen no final do ano passado. "Para financiar o aumento dos gastos militares nos próximos anos, o governo proporá uma lei que abolirá um feriado que entrará em vigor em 2024. Os dinamarqueses devem contribuir para nossa segurança comum."

Isso significa que o feriado deste ano está garantido (cairá em 5 de maio), mas a folga do ano que vem está em risco. O Dia da Grande Oração é um feriado móvel, quer dizer, cai sempre na quarta sexta-feira após a Páscoa. Por ser numa sexta-feira, os dinamarqueses estão carecas de saber que esse feriado é sinônimo de fim de semana prolongado.

Para os cristãos, o dia tem grande importância, já que é uma escolha popular para marcar datas de casamento no país. E isso sem falar na tradição: o Store Bededag é feriado na Dinamarca desde 1686.

Entre críticos ao cancelamento do feriado, estão os dez bispos luteranos que lideram a Igreja Evangélica-Luterana Nacional, à qual 73% dos dinamarqueses dizem pertencer, embora apenas 3% frequentem as missas com regularidade. Os bispos reclamam que não foram consultados. Enquanto isso, sindicatos lançaram uma petição virtual para abandonar a proposta, com quase meio milhão de assinaturas.

Na Dinamarca, onde o consenso político é a norma, a oposição --à direita e à esquerda da coalizão centrista-- se uniu em um movimento raro para criticar a gestão. "O governo está nos expulsando [da coalizão]", disse Pia Olsen Dyhr, líder do Partido Social Popular, de esquerda, segundo relatos da agência de notícias Associated Press.

Na direita, a mesma coisa: Søren Pape Poulsen, líder dos conservadores, disse que "é importante proteger a cultura, a história e os valores e raízes profundas em que a sociedade dinamarquesa se baseia" e chamou a abolição de "um erro".


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