WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - As ressalvas apontadas pelo Brasil em relação à ditadura de Daniel Ortega na Nicarágua são fundamentais para pressionar o regime. Mesmo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não seja enfático na crítica ao líder do país centro-americano, a mudança de postura expressa no Conselho de Direitos Humanos da ONU na última semana completa o isolamento de Ortega na região e aumenta a pressão pelo fim da ditadura.
É o que diz a ex-guerrilheira Dora María Tellez, 67, que lutou ao lado de Ortega contra a ditadura dos Somoza, quando ficou conhecida como "Comandante Dois", e foi ministra da Saúde, antes de romper com ele em 1995.
Presa em 2021 após a escalada autoritária do regime, foi solta e expulsa do país em fevereiro para os Estados Unidos, onde teve a nacionalidade nicaraguense revogada pela ditadura.
Ela mora hoje na Geórgia, cuida dos trâmites para decidir onde vai viver e trabalhar, e diz que pretende voltar à Nicarágua assim que o regime cair, o que só acontecerá com pressão internacional.
Criticado por não condenar de maneira veemente o regime de Ortega, o governo Lula fez no último dia 7 um discurso mais duro contra Ortega na ONU, em que citou "sérias violações de direitos humanos e restrições no espaço democrático, em especial execuções sumárias, detenções arbitrárias e tortura contra dissidentes políticos." Também se dispôs a receber dissidentes expulsos do país.
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PERGUNTA - Como vê o regime Ortega hoje?
DORA MARÍA TELELZ - Totalmente isolado. Sobretudo com os últimos enfrentamentos com a Igreja Católica [o regime Ortega suspendeu as relações com o Vaticano]. A Igreja não tem respondido, com exceção do que o papa disse [chamou o regime de ditadura e Ortega de desequilibrado] porque acredito que sua paciência já esgotou.
Temos bispos presos, padres e freiras exilados à força, padres expulsos e desnacionalizados, pessoas cujos bens foram confiscados. É um regime sem suporte social nem político além de suas próprias fileiras de seguidores, que nem sequer cobrem todo o partido Frente Sandinista.
A situação é bastante crítica, a economia está abalada porque Ortega também tem sido bastante agressivo nos últimos dias contra os grupos empresariais, liquidando quase 20 dos maiores grupos, o que desmotiva os investimentos. Ninguém vai investir em um país onde os próprios empresários estão sendo liquidados. E agora fracassa sua política de trocar reféns por legitimidade [a expulsão de presos políticos], mostrando que sente a pressão internacional e a pressão nacional.
P - O Brasil disse no Conselho de Direitos Humanos da ONU que vai acolher cidadãos expulsos do país. Como recebeu essa notícia?
DMT - A declaração foi contundente e reconheceu que há violações aos direitos humanos na Nicarágua, execuções sumárias, presos políticos, que não há liberdade, e isso me parece uma coisa extremamente importante.
O Brasil dizer que está disposto a receber nicaraguenses que foram desnacionalizados e que estão sendo basicamente expulsos do país é um elemento-chave e envia uma mensagem para o regime, que completa seu isolamento. A posição do Brasil era necessária dentro do contexto da América Latina, e o pronunciamento do Conselho reuniu evidências gravíssimas do que está acontecendo na Nicarágua.
P - Mas Lula não condena de maneira clara o regime, como fizeram outros aliados da esquerda, como Gustavo Boric no Chile e Gustavo Petro na Colômbia. E alas do PT defendem o regime de Ortega.
DMT - A posição expressa na ONU foi contundente por parte do governo Lula. A declaração pessoal do presidente é importante, evidentemente, mas o fundamental segue sendo a posição institucional da chancelaria do Brasil e, portanto, do governo Lula, que foi contundente.
Que Lula se cale e não emita uma declaração pessoal são diferenças para outros presidentes, mas cada um tem uma maneira de se expressar, e creio que o essencial é que o Brasil não ficou em silêncio sobre a situação da Nicarágua.
P - O que saiu mal na Nicarágua para que as coisas chegassem a esse ponto?
DMT - É difícil saber. São processos complexos, sociais e políticos. Não foi a decisão de uma pessoa. Temos feito oposição há décadas. Eu saí da Frente Sandinista em 1995. Após uma revolução, as coisas nem sempre saem como se quer. A Frente Sandinista nunca se comprometeu, de fato, com os processos democráticos, isso resultou no controle de Ortega, na liquidação do partido como tal e no estabelecimento de uma ditadura.
P - Qual a saída?
DMT - A única maneira é se tivermos o compromisso com a luta cívica, se não assumirmos nenhum outro compromisso de método. Os direitos e a liberdade na Nicarágua devem ser restabelecidos, deve haver eleições limpas, transparentes, justas e competitivas. Não há outra maneira de resolver.
Não vamos derrubar o regime pela via armada, não é a opção que a oposição nicaraguense tem. A única maneira é pela via cívica, com resistência, pressão interna e isolamento internacional.
P - Qual o papel dos outros líderes da região?
DMT - É fundamental. Por isso a posição do Brasil é muito, muito importante neste momento. Ortega precisa estar ciente de que não tem nenhum apoio, não há ninguém que possa apoiá-lo, exceto talvez Venezuela e Cuba. Mas os cubanos têm bastante problema.
P - Como está sua vida hoje? Quer voltar à Nicarágua?
DMT - Vou voltar, evidentemente. Não sei quando, mas é meu país porque vão se estabelecer nossas liberdades em algum momento. Estou regularizando meu visto humanitário. Estou na Geórgia, mas preciso resolver onde vou ficar e com o que vou trabalhar para poder me sustentar. Também estou esperando resposta de um pedido de nacionalidade espanhola.
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RAIO-X | DORA MARÍA TELLEZ, 67
Ex-guerrilheira, participou da Revolução Sandinista ao lado de Daniel Ortega, quando ficou conhecida como "Comandante Dois". Chegou a ser ministra da Saúde, mas rompeu com a Frente Sandinista em 1995. Opositora da ditadura de Ortega, foi presa em 2021. Em fevereiro deste ano, foi liberta e expulsa do país, quando teve sua nacionalidade revogada pelo regime. Está exilada nos EUA.
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