SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em uma decisão sem precedente na Guerra da Ucrânia, a Polônia anunciou nesta quinta-feira (16) que irá enviar aviões de caça para Kiev empregar contra os invasores russos.
É o primeiro país a tomar tal medida, vista até aqui como um tabu, uma linha vermelha a não ser ultrapassada na escalada da ajuda militar ocidental ao governo de Volodimir Zelenski.
Isso porque, na argumentação válida até aqui no governo dos Estados Unidos e seguida pelos parceiros da Otan, aliança da qual a Polônia é um dos mais aguerridos membros, Moscou poderia ler tal fornecimento como um incentivo a ataques em seu território ou uma participação direta no conflito.
Na prática, não é bem assim. O presidente polonês, Andrzej Duda, disse em Varsóvia que iria enviar por ora apenas quatro caça MiG-29 de fabricação soviética. Seu país tem uma frota com 28 desses modelos, herdados dos tempos em que fazia parte do bloco comunista do Leste Europeu, a maior frota no continente --na Otan, a Bulgária tem 14 aviões do tipo, enquanto a Eslováquia opera 11. Segundo Duda, os MiG estão perto do fim da vida útil, "mas em condições de uso".
A Ucrânia opera o modelo, o que facilita a transferência, poupando pilotos de treinamento. Antes da guerra, ela tinha 37 MiG-29, e segundo dados coletados pelo site holandês Oryx, ao menos 16 foram derrubados. Kiev também tinha 34 Su-27, mais modernos, dos quais, segundo as contas conservadoras do Oryx, oito foram abatidos.
Simbolicamente, de todo modo, é uma grande mudança, comparável ao anúncio em janeiro de que uma coalizão de países europeus irá fornecer tanques alemães Leopard-2, o mais abundante no continente, para ajudar Kiev. Apenas poucos blindados poloneses chegaram à Ucrânia, com o treinamento de equipes ainda em curso. Não se sabe quando estará disponível os 140 tanques propagandeados por Kiev, e os 31 poderosos modelos americanos Abrams prometidos por Joe Biden talvez levem dois anos para chegar.
Seja como for, a escalada contínua muda o caráter da guerra, especialmente com a perspectiva de um conflito de longa duração, talvez de anos. Reforços mais imediatos para ucranianos, com blindados americanos Bradley por exemplo, ajudam planos de montar ofensivas na primavera do Hemisfério Norte.
Segundo disse nesta semana o ministro da Defesa da Ucrânia, Oleg Reznikov, qualquer contraofensiva de seu país só será efetiva se for possível neutralizar a ampla vantagem aérea dos russos. Baterias antiaéreas já foram fornecidas, mas caças para combate eram sua demanda principal no campo.
Biden até aqui dizia que não enviaria caças americanos para Zelenski, que havia requisitado modelos F-16. Nesta quinta, a Casa Branca afirmou que foi informada da decisão polonesa, numa mudança de postura: quando Varsóvia fez a mesma oferta logo depois do começo da guerra, Biden vetou a transferência.
Alguns países europeus, como a Holanda, haviam dito que poderiam ceder parte de sua frota, desde que houvesse reforço por parte de outros membros da Otan em termos de cobertura aérea. O Reino Unido, por sua vez, ofereceu seus poderosos Eurofighter Typhoon para cumprir essa função. É um esquema que já funciona nos Estados Bálticos, ex-repúblicas soviéticas absorvidas pelo clube militar que não possuem Força Aérea própria.
No caso polonês, a quantidade ainda é baixa, e Duda conta com duas encomendas feitas recentemente de aviões mais modernos, 32 caças furtivos americanos F-35 e 48 sul-coreanos FA-50. Eles devem, contudo, demorar alguns anos para chegar.
Resta agora ver o tamanho do protesto, previsível, de Moscou. Quatro caças não mudam a guerra, mas se uma reengenharia das frotas da Otan entrar em curso para permitir a ida de MiG-29 para a Ucrânia em quantidade, a acusação de envolvimento direto no conflito ganha força.
O anúncio, que sem dúvida foi combinado com Washington, eleva os riscos globais do conflito, mas também serve para testar quão elásticas são as linhas vermelhas de Vladimir Putin --que, sempre que pode, lembra que a Rússia é uma potência nuclear e que um confronto direto com a Otan teria consequência funestas.
Tudo isso ocorre na semana em que um drone de espionagem americano caiu após se chocar com um caça russo sobre o mar Negro, perto da área do conflito. As partes se acusaram mutuamente pelo incidente, mas trabalharam para baixar o risco de uma escalada militar.
Na véspera do anúncio polonês, o grupo de 40 países que apoiam militarmente a Ucrânia havia se reunido para coordenar novos envios de armas. Até 15 de janeiro, segundo o alemão Instituto para a Economia Mundial de Kiel, já foram enviados em ajuda bélica US$ 60 bilhões para Zelenski, US$ 47 bilhões só dos EUA. A Polônia era a terceira maior doadora, com US$ 2,55 bilhões.
Em solo, Kiev segue resistindo em Bakhmut, a cidade foco da guerra no leste do país. Há semanas os russos empreendem um ataque feroz para tomá-la, com sucessos aqui e ali. Já na Rússia, uma misteriosa explosão atingiu um prédio do FSB, o temido serviço federal de segurança, na cidade de Rostov-do-Don (perto da Ucrânia), mas ninguém assumiu a responsabilidade --uma pessoa morreu.
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