JERUSALÉM, SDEROT E METULA, ISRAEL (FOLHAPRESS) - Em quase três meses no poder, a coalizão mais à direita já vista em Israel abriu duas frentes de tensões. Uma, interna, disparada pela proposta de reforma judicial que há 13 semanas motiva protestos nas ruas e acumula cada vez mais detratores públicos; a segunda, externa, se deu com movimentos da ala extremista do governo agravando um acirramento da relação com os palestinos.

Após flexibilizar, de forma mínima, um dos pontos da reforma na semana passada, o premiê Binyamin Netanyahu dobrou a aposta para tentar ver aprovadas ao menos partes de seu projeto -de resto ignorando apelos crescentes vindos até de militares e banqueiros. Assim, o momento de convulsão social se aproximou de um pico nesta segunda (27) com o anúncio da greve geral, em que se fundiram as duas ebulições -e à qual Netanyahu reagiu com mais um recuo estratégico.

A preocupação com a segurança em Israel é multiplicada ante a coincidência dos feriados do Ramadã muçulmano (já iniciado), da Páscoa cristã e do Pessach judaico -período tradicionalmente marcado pelo agravamento de tensões de fundo religioso.

Neste ano, foram empreendidos esforços de diálogo envolvendo forças de segurança e lideranças religiosas para tentar evitar altercações. Com apoio de Egito e Jordânia, delegações de Israel e da Autoridade Palestina se reuniram para tratar do tema, e em Gaza diplomatas do Qatar também se dedicaram à dissuasão. Como resultado, foi flexibilizada a entrada para alguns grupos de palestinos -incluindo mulheres, crianças e idosos- para orar em Jerusalém.

"Nossos inimigos observam tudo e com certeza estão felizes com o que veem. Parecem esperar que possam usar a situação a seu favor", diz o tenente-coronel da reserva Jonathan Conricus, ex-porta-voz das Forças de Defes e hoje consultor, em referência aos protestos contra a reforma judicial. "Muito está em jogo. Israel, suas instituições e os líderes eleitos devem agir de forma firme e responsável para que a democracia prospere sem dar oportunidades aos inimigos."

Mesmo aliados, porém, veem o momento de crise com atenção. Autoridades de países como Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido já destacaram preocupações com a estabilidade democrática -em referência à reforma judicial- e com a escalada de tensões com os palestinos. Nesta segunda, saudaram o aparente recuo de Netanyahu.

No caso mais recente, o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, um dos expoentes da extrema direita a integrar o gabinete de Netanyahu, negou a existência do povo palestino. Desde janeiro, mais de 70 palestinos, a maioria acusada pelos israelenses de atividades terroristas, foram mortos em ações das forças de segurança. Ataques palestinos no mesmo período mataram cerca de 15 civis em Israel. Dos dois lados, esses números vêm apresentando alta desde 2020.

Segundo o ex-porta-voz das Forças, Hamas e Jihad Islâmica, que atuam na Faixa de Gaza, e o Hizbullah, no Líbano, parecem estar em fase de reorganização, por ora dissuadidos de um conflito de proporções maiores. Assim, o foco de tensões é a Cisjordânia, onde novos grupos como a Cova dos Leões aproveitam a fragilidade da Autoridade Nacional Palestina para se estruturar.

Por trás de todos esses movimentos -e do regime sírio, ainda mergulhado em uma guerra civil-, Israel aponta apoio logístico, financeiro e militar do Irã. Agora, com o fornecimento de equipamentos mais sofisticados, incluindo drones e mísseis antitanques. Daí vem também um olhar atento à Guerra da Ucrânia, na qual acredita-se que Moscou receba ajuda de Teerã, com o fornecimento dos drones kamikazes -o regime persa nega. Israel busca certo equilíbrio no conflito do Leste Europeu e já negou pedidos para fornecer armas e baterias de defesa a Kiev.

"É o Irã quem controla de fato as fronteiras do Líbano e da Síria [com Israel]. O que Teerã quer é destruir Israel, e para isso está construindo um cinturão de milícias ao redor do país", afirma Alon Friedman, general de brigada da reserva do Exército e ex-chefe do Comando Norte das Forças de Defesa, para quem a intenção do rival de se tornar um Estado nuclear "não é mais questão de tempo".

Em meio à retórica crescentemente afiada contra o Irã, a diplomacia de Israel se viu surpreendida pela retomada das relações de Teerã com a Arábia Saudita, em acordo mediado pela China -Riad é tido como um dos possíveis próximos passos de normalizações diplomáticas dos israelenses com nações árabes, na esteira dos Acordos de Abraão.

Os tratados são vistos como um compromisso do país, a servir também como instrumento de dissuasão contra rivais. No mesmo pacote entra o acordo com o Líbano sobre fronteiras marítimas, assinado na gestão de Yair Lapid, que trata da exploração de gás na região -os países, de todo modo, se mantêm tecnicamente em guerra.

"Temos que dar aos inimigos uma esperança. Quando você tem uma esperança, tem algo a perder; e, quando tem algo a perder, não entra em uma guerra facilmente. O Hizbullah agora tem essa responsabilidade", diz Friedman.

Para além das atenções externas, porém, há o caldo social de protestos contra a reforma -que já chegaram também a colônias israelenses na Cisjordânia, um reduto político da direita que apoia Netanyahu. Isso força os militares a olhar para si.

Nas últimas semanas, partiram de figuras da reserva, como pilotos de elite voluntários, manifestações contundentes contra a proposta de reforma judicial. "São civis patriotas, que passaram a vida adulta defendendo Israel, mandando um sinal significativo de preocupação", diz Conricus.

Reservistas que lideram essa onda disseram que o Exército "está se desintegrando" ante o risco de o país se tornar uma ditadura. Dias antes, um grupo de 650 voluntários militares e da inteligência disse que iria interromper as atividades, chamando a reforma de tentativa de golpe. "Voltaremos a nos voluntariar com prazer quando a democracia estiver a salvo", disseram, em carta divulgada à imprensa local.

Esses movimentos levaram a um temor crescente de que a ativa também possa vir a ser afetada --num eventual quadro de choque com o governo que é definido como desastroso. Israel tenta se fiar, então, na própria tradição militar, como lembra o cientista político André Lajst, presidente-executivo da ONG Stand With Us. "Quando o país está em situações políticas traumáticas ou em governos de transição, tende a responder a ataques com união interna e ações mais fortes."


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