TOULOUSE, FRANÇA (FOLHAPRESS) - Depois que as manifestações da última quinta-feira (23) contra a reforma da Previdência de Emmanuel Macron deixaram um rastro de destruição, fogo e fuligem nas principais cidades da França, o ministro do Interior, Gérard Darmanin, anunciou a mobilização de um aparato policial "inédito" para acompanhar os protestos marcados para esta terça-feira (28) num clima de tensão e violência.

Darmanin destacou 13 mil policiais para os atos que devem reunir centenas de milhares de franceses em todo o país. Cerca de 5.500 desses oficiais ficarão responsáveis por manter a ordem em Paris, onde a prefeitura já pediu que os comércios fechem as portas e protejam suas fachadas.

A ferocidade dos protestos na capital francesa foram motivo para o adiamento da viagem oficial do rei Charles 3º à França, e entidades do setor hoteleiro acusam o cancelamento de 20% de suas reservas para o mês de abril por conta da turbulência social que tomou as ruas da cidade.

A Câmara do Comércio e da Indústria da região de Île-de-France emitiu comunicado com outras entidades do setor para manifestar "extrema preocupação com a situação social, sanitária e econômica da capital", impactada pelo agravamento dos protestos contra a reforma da Previdência.

O anúncio de Darmanin ocorre num contexto de radicalização das manifestações a partir do uso, pelo governo, do artigo 49.3 da Constituição francesa, que aprovou o texto impopular horas antes de ele ser submetido a uma votação de resultado incerto na Assembleia Nacional. Durante o final de semana, a primeira-ministra Elisabeth Borne anunciou que não vai mais usar o "número maldito", como ele foi apelidado, para questões orçamentárias da França.

Os atos ganharam um caráter explosivo e imprevisível também a partir da forte presença de black blocs nas passeatas e da grande adesão de estudantes secundaristas e universitários, que bloquearam escolas e universidades já nesta segunda-feira (27). Os dois grupos não respondem ao comando da junta intersindical que articula as série de greves e manifestações desde janeiro e foram apontados como os protagonistas de confrontos com policiais nos atos.

O saldo, segundo o Ministério do Interior, foi de 457 detenções e 441 policiais feridos em todo o país, que prevê aumento da participação de jovens nesta terça. Mesmo os sindicatos relataram terem identificado a "radicalização" de alguns de seus membros, e temem novas ações violentas em várias cidades.

O emprego sem precedentes de tamanha força de segurança ocorre num momento em que ações policiais nos atos contra a reforma da Previdência são alvo de denúncias a partir de áudios e vídeos que registraram uso excessivo da força, ameaças e até abusos sexuais por parte de integrantes da corporação na repressão de manifestantes.

"Um policial me revistou, me apertou o sexo e disse: 'Você não tem nem bolas'", relatou um jovem manifestante à France Info. "Eu era o único jovem negro do grupo interpelado e ouvi dos policiais uma série de piadas racistas de conotação sexual", completou o rapaz, cujo nome não foi revelado e cuja família é oriunda do Chade, no Centro-Norte da África.

Um registro sonoro de 23 minutos obtido pelo jornal Le Monde, que afirma ter atestado a autenticidade da gravação, revelou, na última sexta (24), a prática de insultos, socos, piadas racistas e intimidações contra um grupo de jovens manifestantes detidos por policiais da Brigada Motorizada de Repressão a Ações Violentas, conhecida como BRAV-M, uma unidade antidistúrbios frequentemente acusada de abusos.

"Da próxima vez, você não entrará num ônibus para ir à delegacia. Entrará em outra coisa chamada ambulância para ir ao hospital", diz no áudio um policial a uma jovem de 19 anos, que também foi chamada de "puta estúpida" por um dos oficiais da BRAV-M.

Oficiais da brigada também foram apontados pelo jornalista independente Paul Boyer, 26, como responsáveis pelas agressões sofridas durante os atos e que lhe causaram um traumatismo craniano e uma fratura na mão esquerda.

As imagens, gravações sonoras e testemunhos que emergiram desde os atos da semana passada forçaram o ministro do Interior a admitir que "individualmente, sob a influência da fadiga", os agentes podem ter cometido "atos antiéticos".

A inspetoria da polícia francesa abriu uma série de investigações sobre os casos relatados e afirmou que os policiais já identificados como agressores de manifestantes não integrarão a força-tarefa destacada para a décima jornada de greve e protestos desta terça.

Um abaixo-assinado que pede a dissolução da BRAV-M coletou mais de 80 mil assinaturas até esta segunda-feira, mas precisa atingir 500 mil para provocar um debate sobre a proposição na Assembleia Nacional.


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