BRASÍLIA, DF, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O assessor especial do governo Lula 3 para política externa, o ex-chanceler Celso Amorim, realizou uma viagem discreta à Rússia e à França na última semana para prospectar cenários para uma negociação de paz no contexto da Guerra da Ucrânia.
À Folha de S.Paulo ele diz ter ficado surpreso com a receptividade do governo de Vladimir Putin -o próprio presidente russo o recebeu, para uma conversa de uma hora, no Palácio do Kremlin, em Moscou.
Amorim e a comitiva brasileira conversaram com o russo, por meio de tradução simultânea em inglês, na "mesa gigante" de Putin, mobiliário de cinco metros que virou meme durante a pandemia de Covid.
Durante as tratativas, Amorim falou em especial sobre o conflito na Ucrânia e, por iniciativa russa, de alguns temas da agenda bilateral, como o comércio de fertilizantes. Durante a viagem, foi confirmada a vinda a Brasília do chanceler russo, Serguei Lavrov, no próximo dia 17.
Segundo o principal conselheiro de Lula para a agenda externa, a viagem teve como objetivo observar a receptividade russa à proposta de mediação de paz para a guerra. "Eles dizem que apreciam tanto os esforços do Brasil quanto os da China", afirma -Pequim apresentou um plano para a paz que, no entanto, foi esnobado pelo Ocidente.
Mas a ambição diplomática brasileira levará tempo, pondera Amorim. "Não há solução imediata. É preciso preparar um quadro para quando a vontade política se materializar. Quando ficar claro para um lado ou para o outro que o custo da guerra é maior que o de eventuais concessões, aí sim as ideias para a paz poderão fluir."
Amorim partiu na última terça-feira (28) para uma viagem de seis dias, a mando do presidente Lula. Na impossibilidade de chegar à Ucrânia, em guerra, as reuniões na França tiveram o objetivo de representar a ligação com o lado Ocidental -que apoia Kiev.
Questionado, Amorim diz que não há um plano imediato para uma conversa com altas autoridades de Kiev, mas não descarta a possibilidade -o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, já fez críticas à postura neutra do governo brasileiro na guerra.
A primeira parada da viagem foi em Moscou, onde houve o encontro com Putin, o chanceler Lavrov e dois auxiliares do presidente.
Amorim também almoçou com Lavrov, com quem mantém contato há longos anos, dos tempos em que era o chanceler brasileiro e quando atuaram concomitantemente na ONU.
Um aliado afirma que o assessor especial de Lula teve a missão mais de ouvir a versão dos envolvidos do que propor soluções. Ele também não usou o termo "clube da paz", como Lula tem feito. "Deixei um pouco mais vago", afirma.
Após Moscou, o ex-chanceler esteve em Paris. O principal encontro foi com o diplomata Emmanuel Bonne, conselheiro do presidente Emmanuel Macron para temas de relações internacionais, função semelhante à de Amorim.
O presidente Lula vem buscando uma forma de atuação para encerrar o conflito. A equipe do mandatário defende que o Brasil atue como um facilitador para colocar os atores envolvidos no conflito, direta ou indiretamente, em uma mesa de negociação.
Lula defende que é preciso tratar do tema em um clube de países não envolvidos diretamente nas hostilidades, que forneceriam as condições para mediar a conversa entre os beligerantes. A ideia envolveria nações como Índia e Indonésia.
O modelo é semelhante ao adotado para possibilitar algum diálogo entre governo e oposição na Venezuela, ainda no primeiro mandato do petista; e, depois, para tentar solucionar a questão nuclear iraniana.
Alguns críticos de Lula e de sua iniciativa apontam que o presidente não apresentou uma proposta concreta de paz e que, por isso, suas ações possam ter pouca eficácia.
O presidente também quer discutir o assunto com o líder chinês, Xi Jinping, durante viagem oficial ao país asiático, na próxima semana. A viagem estava programada para acontecer na segunda quinzena de março, mas acabou cancelada após Lula ter sido diagnosticado com uma pneumonia.
Lula também já manteve uma conversa de vídeo com o líder ucraniano e recebeu um convite para visitar o país invadido pelas tropas russas. A guerra entre Rússia e Ucrânia completou no fim de fevereiro um ano, contabilizando mais de 250 mil mortos e 8 milhões de refugiados.
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