SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Finlândia irá tornar-se nesta terça (4) o 31º membro da Otan, a aliança militar fundada pelos EUA com seus aliados para conter o avanço da antiga União Soviética na Europa em 1949. Setenta e quatro anos depois, segue sua expansão devido à ameaça do Estado sucessor do império comunista, a Rússia de Vladimir Putin.

O ingresso do país nórdico é uma derrota estratégica para Putin, que invadiu a Ucrânia em fevereiro do ano passado, iniciando um terremoto na arquitetura de segurança mundial. Um ponto central do "casus belli" do Kremlin era evitar que Kiev entrasse na Otan, permitindo o posicionamento de forças hostis da aliança junto à fronteira russa.

"O que nós vemos é que o presidente Putin foi à guerra contra a Ucrânia com o objetivo declarado de ter menos Otan. Ele está ganhando o oposto", disse o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, antes do início da reunião da aliança.

Até aqui, a Rússia tinha uma fronteira de apenas 1.215 km com cinco países do bloco militar, ou 6% do seu total de contato com o mundo por terra. Agora, isso mais que dobra com os 1.340 km russo-finlandeses agregados à conta.

A Rússia reagiu previsivelmente com agressividade. O ministro da Defesa, Serguei Choigu, disse nesta terça que a adesão amplia o risco de o "conflito se expandir", e o porta-voz de Putin, Dmitri Peskov, afirmou que "é um novo agravamento da situação, um ataque à nossa segurança que nos obriga a tomar contramedidas".

Na prática, não há muito o que possa fazer além de reposicionar tropas e armamentos, dado que a adesão garante à Finlândia o acesso ao artigo 5º da carta da Otan: se um membro for atacado, todos o defendem. Terceira Guerra Mundial, em outras palavras.

Os finlandeses ainda mantiveram uma trava de segurança, aprovando o acesso desde que armas nucleares não sejam postadas em seu território. Isso dito, a entrada coroa um processo de união de uma aliança vista como quase morta ?de resto, um efeito que a invasão teve no Ocidente, apesar de ampliar as divisões da Guerra Fria 2.0, com China e Rússia do outro lado, além de países que buscam neutralidade.

O movimento, contudo, evidenciou fraturas internas importantes da Otan: a Turquia, que foi o último país a aprovar em Parlamento o ingresso finlandês, ainda está vetando a adesão da Suécia à aliança, assim como a Hungria.

País mais poderoso militarmente, o vizinho nórdico fez o pedido de ingresso junto com a Finlândia em julho passado, mas os turcos resistem à sua entrada por exigirem que Estocolmo entregue os opositores do governo de Recep Tayyip Erdogan que abriga em exílio. Para piorar a crise, a extrema-direita sueca, cuja franja partidária integra o governo, promove atos periódicos de islamofobia aberta para provocar os turcos.

Já os húngaros, assim como os turcos com boas relações com Putin, se queixam das críticas suecas ao governo autocrático de Viktor Orbán. Ambos os países foram os últimos a aprovar a entrada da Finlândia em seus Parlamentos, condição para o acesso, mas o caso de Budapeste parece ser de mais fácil solução.

Já o de Ancara deverá ser resolvido com o tempo, caso Erdogan consiga assegurar sua reeleição em maio e a entrega de mais caças F-16 dos EUA para recompor sua frota. Mas o impasse mostra que nem tudo é a união fraterna pintada nos discursos oficiais.

Entre os nórdicos, contudo, há consenso estabelecido. Tanto que, mesmo sem Suécia na Otan, Finlândia e os outros dois países da região que integram o clube, Dinamarca e Noruega, firmaram um acordo inédito unificando suas Forças Aéreas para melhor reagir às ameaças russas. Não é impossível a replicação disso entre membros menos poderosos militarmente do continente.

Isso dito, a Finlândia agrega uma fronteira que já viu muito combate contra os russos, os mais recentes em 1940 e entre 1941 e 1944, quando Helsinque estava aliada à Alemanha nazista, que terminaram com os nórdicos perdendo cerca de 10% de seu território e legando uma política de neutralidade que durou toda a Guerra Fria e os anos da "pax americana" seguinte.

No pós-Guerra Fria, Helsinki se apoiava entre a boa relação com o Ocidente, sendo na prática quase um membro da Otan, e laços amistosos com Moscou. Já a neutralidade sueca é ainda mais antiga, datando de 200 anos, justamente devido aos embates com o então Império Russo dos Románov. Tudo isso mudou em 2022.

Mas é preciso limitar a avaliação. Na prática, a neutralidade nórdica foi diluída quando Suécia e Finlândia aderiram juntas à UE (União Europeia), em 1995. "Se um Estado-membro é vítima de agressão armada em seu território, os outros Estados-membros devem ter uma obrigação de ajuda e assistência por todos os meios a seu dispor", diz o artigo 42.7 do Tratado da União Europeia.

Salvo a expansão da guerra, algo improvável, os russos não têm muitas opções. Na semana retrasada, o país anunciou que posicionará mísseis com ogivas nucleares táticas, que visam emprego contra forças militares e não grandes áreas, na vizinha Belarus.

Como talvez já as tenham em Kaliningrado, ainda mais perto dos nórdicos, da agressiva Polônia e dos temerosos Estados Bálticos, é mais um gesto simbólico ?e, no caso, mais destinado a tentar conter a escalada de ajuda militar ocidental a Kiev, que poderá ajudar os ucranianos a lançar uma contraofensiva nas próximas semanas.

Isso dito, como já foi relatado por moradores e analistas à Folha, os países nórdicos se veem como alvos mais evidentes agora. É um preço da mudança da paisagem geopolítica decorrente do conflito europeu e sua inserção na Guerra Fria 2.0 entre EUA e China, com lados cada vez mais definidos.

Em termos puramente militares, a Finlândia acrescenta Forças Armadas pequenas, com quase 20 mil pessoas em farda, mas que por suas regras de mobilização podem ser decuplicadas quase que imediatamente.

Elas são bem equipadas, contudo, e a posição geográfica é a joia de sua coroa ?ou um pesadelo, dependendo do ponto de vista. Mas a Otan já era a maior aliança militar da história, com os EUA sozinhos respondendo por 40% do gasto com defesa do mundo todo, só equiparada pela Rússia quando o tema é arma nuclear.

A expansão da Otan ao leste, denunciada por ele e por quase toda a elite russa, é um fato inescapável. Em 1999, a aliança começou a absorver antigos países comunistas, descontando a reunificação alemã de 1990.

Em 2004, fez sua grande jogada ao englobar sete países ex-comunistas, três deles ex-integrantes da União Soviética (Lituânia, Letônia e Estônia). Putin, já no poder, se sentiu traído pelo não cumprimento de uma promessa nunca registrada em papel e até negada posteriormente pelo último presidente soviético, Mikhail Gorbatchov (1931-2022), de que a antiga esfera do império seria intocada pela Otan.

Das 8 expansões até aqui, 5 foram para integrar 14 países que ou foram soviéticos, ou sob sua esfera militar ou comunistas, como os que faziam parte da ex-Iugoslávia.

Em dezembro de 2021, já com tropas cercando a Ucrânia em supostos exercícios, Putin lançou um ultimato acerca de suas preocupações estratégicas. Não foi ouvido, apesar de o russo ter anexado a Crimeia e estimulado a guerra civil no leste da Ucrânia em 2014 justamente porque não queria ver Kiev na esfera ocidental. O resto é história.


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