SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Ao menos seis pessoas, incluindo quatro crianças, foram esfaqueadas nesta quinta-feira (8) em um parque de Annecy, cidade turística nos Alpes franceses. Três vítimas estão em estado grave.

O agressor, identificado como Abdalmasih H.,foi detido pela polícia. Investigações preliminares apontam que ele é um refugiado sírio com status legal no país. As autoridades investigam o episódio, e o Ministério Público descartou motivação terrorista.

Segundo autoridades locais, o agressor nasceu em 1991 e estava na Suécia há pelo menos dez anos, onde obteve status de refugiado. Ainda assim, no final do último ano ele teria solicitado asilo ao Ofpra, o órgão francês responsável pela proteção a refugiados e apátridas.

O pedido, informou horas depois do episódio o ministro do Interior Gerald Darmanin, foi negado no início deste mês. Antes, a primeira-ministra Élisabeth Borne já havia explicado que não havia razão para concedê-lo, uma vez que o homem já era refugiado na Suécia.

Abdalmasih H. estaria na Suécia desde novembro de 2013 e teria uma autorização de residência válida no país até 2025. Mas, segundo a Autoridade Sueca de Migração, ele falhou sucessivamente, desde 2017, em pedidos para obter nacionalidade no país.

Darmanin disse ver uma "coincidência preocupante" entre o ataque e a resposta negativa ao pedido de asilo, dada no último dia 4. "Por razões que não estão claras, ele pediu asilo na Suiça, na Itália e na França quando não precisava disso, já que tem o asilo na Suécia", detalhou. "Sou ministro do Interior há três anos e vi muitas coisas difíceis, mas acho que esse é o pior dia. Atacar crianças é algo indescritível."

Ainda segundo ele, o homem carregava uma cruz no momento em que foi preso. O Le Monde relatou que ele dizia frases como "em nome de Jesus Cristo" no momento do ataque. A jornais locais uma mulher que diz ser ex-esposa dele afirmou que o ex-companheiro era cristão e que nunca havia demonstrado traços de uma personalidade violenta.

Ela detalhou que tem um filho de três anos com ele e que Abdalmasih deixou a Suécia há cerca de oito meses após ter o pedido de nacionalidade frustrado.

O suspeito não tem antecedentes criminais e não era investigado por nenhum serviço de inteligência regional. Tampouco tinha histórico psiquiátrico, segundo as autoridades, e não estava sob efeito de entorpecentes ou de álcool no momento em que realizou o ataque.

O presidente Emmanuel Macron manifestou solidariedade às vítimas e aos familiares. "Ataque de absoluta covardia. Crianças e adultos estão entre a vida e a morte. A nação está em choque. Nossos pensamentos estão com eles, suas famílias e os serviços de emergência."

Políticos condenaram o ataque, e a Assembleia Nacional determinou um minuto de silêncio às vítimas. "Nada mais abominável do que atacar crianças", disse a chefe do Parlamento, Yael Braun-Pivet.

O ataque ocorreu por volta das 9h45 (4h45 em Brasília), quando crianças estavam brincando em um parquinho perto de um lago. O agressor usava um lenço xadrez azul e óculos de sol.

A França tem sido alvo de uma série de ataques cometidos por extremistas nos últimos anos, incluindo o célebre atentado contra profissionais do semanário satírico Charlie Hebdo, em Paris, em janeiro de 2015. A ação deixou 12 mortos e permanece como símbolo da intolerância contra a liberdade de expressão.

Naquele mesmo ano, em novembro, ataques na casa de shows Bataclan e nos arredores deixaram 130 mortos, também na capital francesa. O grupo terrorista Estado Islâmico (EI) assumiu a autoria dos ataques. A organização também reivindicou um atentado com caminhão em Nice, em 2016, que matou 86.

Mais recentemente, a decapitação de um professor perto da escola em que lecionava, nos arredores de Paris, em 2020, voltou a levantar debates sobre a atuação de grupos radicais e a segurança na França. O crime ocorreu após o docente ter mostrado charges do profeta Maomé aos estudantes.

Já nos últimos meses, os franceses ficaram chocados com uma série de crimes, incluindo o assassinato de uma enfermeira por esfaqueamento no mês passado, na cidade de Reims, e a morte de três policiais por um motorista alcoolizado. Macron criticou o que chamou de "processo de descivilização" no país, enquanto opositores dizem que o governo tem sido negligente com a lei e a ordem.

As vítimas foram transferidas para o hospital Annecy Genevois, e as testemunhas, para um prédio próximo ao local da ação, isolado pela polícia. Duas crianças e um adulto foram hospitalizados em estado grave.

O governo Macron defende um projeto que busca atrair à França mão de obra qualificada e, ao mesmo tempo, combater a imigração ilegal. A proposta prevê a criação de um documento de residência para estrangeiros que atuam em áreas em que há escassez de mão de obra, como construção e saúde. Por outro lado, acelera a expulsão de pessoas em situação irregular que não trabalham nesses setores.

O plano enfrenta rejeição. O Republicanos, sigla com a qual o presidente costuma negociar para obter maioria no Parlamento, defende que apenas migrantes que ganhem mais de dois salários mínimos, equivalentes a ? 3.400 (R$ 17,8 mil), possam obter o documento de residência. A medida restringiria o número de beneficiados.

Os debates sobre a reforma migratória ocorrem ainda num momento em que Macron é alvo de protestos pela aprovação de uma controversa reforma da Previdência. A medida impopular foi imposta pelo governo mesmo sem o aval da Câmara dos Deputados e aumenta a idade mínima para a aposentadoria no país de 62 para 64 anos até 2030. Também prolonga os anos de contribuição de 42 para 43 anos em 2027.

As crianças feridas têm idades entre 1 ano e 10 meses a 3 anos. Um vídeo que circula nas redes sociais mostra uma mulher desesperada enquanto tenta proteger um bebê que estava em um carrinho. "O agressor pulou [no parquinho], começou a gritar e foi em direção às crianças, atacando repetidamente os pequenos com uma faca", disse uma testemunha identificada como Ferdinand à emissora BFMTV.

Entre os feridos há uma criança britânica e outra holandesa, anunciaram autoridades. A primeira-ministra Élisabeth Borne viajou para a cidade onde o ataque ocorreu, próximo à fronteira com a Suíça.

No Twitter, ela disse que voltava para casa "pensando nas vítimas, tão jovens, e em seus pais" e elogiou serviços de emergência e segurança pública. "Nesses momentos dramáticos, podemos sempre contar com eles. Toda nossa gratidão."

O ex-jogador de futebol Anthony Le Tallec, que teve passagens por Liverpool e Saint Etienne, corria às margens do lago no momento do ataque. Ele descreveu ao Le Dauphiné Libéré um cenário de "pânico total".

Num contexto de tensão política devido à implementação de uma reforma migratória na França, Éric Ciotti, líder do partido de oposição Republicanos, de direita, que defende a medida anti-imigração, afirmou que o episódio precisa ter consequências "sem ingenuidade, com força e lucidez".


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