SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Ambientalistas da Europa já atiraram sopa em um Van Gogh, purê de batata em um Monet e farinha em um Andy Warhol. Agora, parecem ter trocado seus instrumentos de combate -e seus alvos.
Nas últimas semanas, manifestantes têm lançado tinta colorida em diversos marcos arquitetônicos do continente, sejam eles públicos, como a Fontana di Trevi, em Roma, e o teatro La Scala, em Milão, ou privados, como a Fundação Louis Vuitton, um dos museus mais concorridos de Paris.
Assim como a estratégia anterior, esta também é feita para causar impacto nas redes, por meio de ações performáticas instagramáveis. A explicação reside no perfil dos ativistas por trás desses atos, descritos pelo jornalista e pesquisador francês Marc Lomazzi como uma geração nascida por volta dos anos 2000 que não acredita na vontade de governantes de implementar políticas de combate à crise climática.
"Eles têm um discurso radical e rejeitam a ideia de transição ecológica. Querem uma revolução verde", diz à reportagem o autor de "Ultra Ecologicus: Les Nouveaux Croisés de l'Écologie" -ou ultraecológicos, os novos cruzados da ecologia, sem edição no Brasil-, por email. Para Lomazzi, esses manifestantes estão dispostos a ir além da desobediência civil não violenta que marcou a maioria de suas manifestações.
Mas só os atos já foram suficientes para atrair a ira de governos. Reino Unido e Itália anunciaram projetos de lei mais duros para reprimir os ambientalistas, a quem se referem como "ecofanáticos" e "ecovândalos".
No final de maio, a Alemanha mobilizou agentes do país todo para uma operação que investiga membros do Letzte Generation por formação de quadrilha e apoio a organização criminosa. Antes, o ministro do Interior da França chegou a chamar manifestantes em Sainte-Soline, no oeste do país, de "ecoterroristas".
A associação de ambientalistas ao terrorismo não é inédita. Elane Westfaul, doutoranda em ciência política da Universidade da Califórnia em Irvine, conta que o termo "ecoterrorismo" começou a ser difundido a partir de 2002, depois de ser usado por James F. Jarboe, então chefe do departamento de contraterrorismo do FBI, a polícia federal americana, em discurso ao Congresso dos EUA.
Para a pesquisadora, aquela foi a maneira que o governo americano encontrou de usar a atmosfera da Guerra ao Terror, na esteira do 11 de Setembro, para reprimir ações de grupos como ALF (Frente de Libertação Animal), ELF (Frente de Libertação do Meio Ambiente) e Peta (Pessoas pelo Tratamento Ético de Animais), mesmo que a maioria deles se comprometesse a não ferir pessoas ou animais.
"O que eles costumavam fazer era libertar animais de matadouros e laboratórios, mas seus objetivos não eram violentos em geral", afirma ela -uma exceção é o ALF, que nos anos 1990 enviou bombas a mais de 30 fazendeiros e empresas de transporte que trabalhavam com comércio de animais.
Westfaul diz que a principal estratégia dessas organizações era causar danos a propriedades, de modo a provocar agitação social e perdas financeiras para empresas que agrediam o ambiente. A pesquisadora afirma que é algo que eles têm em comum com os grupos que chamam a atenção na Europa hoje --embora estes tendam a ser ainda mais cautelosos com a propriedade alheia, usando por exemplo tinta lavável para atacar monumentos e buscando não danificar as obras de artes sobre as quais intervêm.
A despeito da retórica do ecoterrorismo, o que parece incomodar os Estados são os custos econômicos desses atos. No discurso de 2002, o chefe do departamento de contraterrorismo do FBI ressaltou que, nos anos anteriores, os cerca de 600 crimes cometidos por organizações ligadas à defesa do ambiente resultaram em danos de ao menos US$ 43 milhões (cerca de R$ 106 milhões na cotação da época).
Valores também foram elencados por governos da Europa ao defender punições mais duras hoje. O ministro da Cultura da Itália, Gennaro Sangiuliano, afirmou que a administração gastou EUR 40 mil (R$ 214 mil em valores atuais) para limpar a tinta jogada por manifestante na fachada do Senado, em Roma.
Suella Braverman, ministra do Interior do Reino Unido, disse que apenas duas operações policiais para lidar com protestos do Extinction Rebellion custaram aos cofres britânicos 37 milhões de libras (R$ 228 milhões), o dobro do que seria destinado anualmente à corporação para combater crimes violentos. Em paralelo, apontou que manifestações do tipo já causaram a perda de 146 milhões de libras (R$ 900 milhões) em um projeto de infraestrutura do Reino Unido -ela não detalhou os valores.
Os métodos dos ecoativistas tampouco são unânimes entre as populações desses países. A sequência de ataques a obras artísticas atraiu críticas de amantes da arte aos que questionavam o desperdício de comida em um momento de crise econômica. O que mais parece incomodar os europeus são, no entanto, os atos em que manifestantes se colam em estradas e rodovias e impedem o tráfego na hora do rush.
A repercussão negativa de atos do tipo levou o Extinction Rebellion, talvez o pioneiro das manifestações performáticas, a anunciar no início do ano uma pausa nas mobilizações em espaços públicos para atrair mais pessoas para a luta contra a crise climática. Mas outros grupos já ocupam o vazio deixado, como os já citados Ultima Generazione, da Itália, e seus homônimos Letzte Generation, da Alemanha, por exemplo.
Para o sociólogo Arilson Favareto, professor da Universidade Federal do ABC e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), atos do tipo já acontecem no Brasil. Ele cita o episódio de jovens que escalaram o Cristo Redentor, em 2006, e jogaram sobre um de seus braços uma bandeira da ONG ambientalista Greenpeace em que se lia "o futuro do planeta está em suas mãos".
Ele afirma, porém, que a sobreposição da pauta ambiental no país a demandas de outros grupos sociais, como movimentos indígenas ou em defesa da reforma agrária, faz com que as formas de protestar sejam mais diversas do que na Europa. E que essas ações mais tradicionais, como a invasão de terras pelo Movimento dos Sem Terra, provavelmente não serão substituídas por manifestações performáticas.
Favareto ainda lembra que, no Brasil, o principal responsável pela repressão a ambientalistas não é o Estado, mas atores do setor privado, como grileiros e latifundiários, que por vezes agem à margem da lei. Isso faz com que, a depender da situação, manifestantes corram de fato risco de vida.
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GLOSSÁRIO
Ecosabotagem
Atos de sabotagem ou de destruição deliberada de propriedades pertencentes a atores considerados prejudiciais para o meio ambiente
Ecoterrorismo
Termo popularizado nos EUA pós-11 de setembro que equipara atos de sabotagem realizados por organizações de defesa dos animais e do meio ambiente a ameaças à segurança nacional, associação criticada por ambientalistas
Ecofascismo
Ideologia extremista que combina elementos do movimento ecológico e do fascismo para atribuir responsabilidade da destruição do meio ambiente a imigrantes e seus descendentes
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