LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) - O premiê de Portugal, António Costa, acusou um grupo de professores de utilizar cartazes de cunho racista em uma manifestação. O pai do primeiro-ministro, o escritor Orlando Costa, nasceu em Goa, antiga colônia portuguesa na Índia.
A ilustração que desagradou o primeiro-ministro, flagrado em vídeos exaltado e apontando racismo nos desenhos, retrata Costa com as feições de um porco, lábios grandes e traços desproporcionais e um lápis cravado em cada olho. A imagem é arrematada com a palavra "demissão".
As acusações do líder do Partido Socialista sacudiram a política portuguesa e colocaram a questão racial novamente no centro dos debates no país, que recentemente bateu recordes em número de imigrantes e tem um partido de direita radical com a terceira maior bancada no Parlamento.
"O tema do racismo de alguma forma está sempre presente na política, mas agora ganhou uma visibilidade muito maior, diante das afirmações do primeiro-ministro", diz Paula Espírito Santo, professora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. Em sua avaliação, esse é um reflexo das mudanças demográficas no país e do crescimento da polarização política.
Opositores -e muitos professores- dizem que Costa usa a acusação de racismo como uma manobra política para desviar as atenções das reivindicações dos profissionais de ensino.
O cartaz e o protesto dos docentes surgem em um momento de acirramento de ânimos nas disputas com o governo no fim de um ano letivo marcado por greves e manifestações inéditas por todo o país. Os professores pedem reposições salariais e reversão de períodos em que a carreira esteve congelada, bem como o fim de uma espécie de cota que dificulta a progressão na contagem oficial de anos no magistério.
Diversos docentes aproveitaram as comemorações do Dia de Portugal, feriado nacional celebrado no último dia 10, para marcar posição contra o governo nas imediações da cerimônia oficial, realizada na cidade de Peso da Régua, no norte do país.
Um grupo de manifestantes, alguns empunhando o controverso cartaz, cercou o primeiro-ministro e sua esposa, que se dirigiam a pé para um restaurante após o evento comemorativo nacional. O autor da caricatura de António Costa é professor do ensino público em Évora, na região do Alentejo, e também já assinou outras ilustrações satirizando figuras da política nacional, incluindo o Presidente da República.
Em entrevista à rádio Observador, Pedro Brito negou quaisquer intenções racistas. Segundo ele, o premiê, em uma "espécie de provocação fácil, resolveu utilizar uma forma pouco digna" para atacar os professores manifestantes. Brito alega que as acusações de racismo são "um autêntico disparate".
Embora sempre tenha circulado entre os principais meios da elite política e intelectual, Costa já foi alvo de ofensas e comentários jocosos devido às suas origens. Nas redes sociais, é frequente que detratores o chamem de "monhé". A expressão é uma forma pejorativa de referência a pessoas de pele mais escura, com traços associados a árabes, paquistaneses ou indianos.
Em 2019, durante um debate no Parlamento, Costa insinuou que Assunção Cristas, que liderava o partido CDS-PP (direita), teria cometido um ato racista. Após ser questionado pela então deputada se condenava episódios de violência ocorridos na periferia de Lisboa nos dias anteriores, o líder socialista rebateu: "Está a olhar para mim e é pela cor da minha pele que me pergunta se eu condeno ou não?".
Paula Espírito Santo, da Universidade de Lisboa, destaca que a questão racial já fora abordada antes por Costa. "Não é um tema novo no discurso ou na retórica do premiê, mas aqui eu julgo que ele pode ter considerado excessiva a forma como isso foi abordado, a maneira como ele foi representado."
Segundo ela, a proximidade física dos manifestantes, em uma espécie de perseguição de Costa, pode ter agravado a percepção de agressividade dos protestos. Ela pondera que sátiras e críticas fazem parte da vida política e que figuras de poder estão expostas a esse tipo de representação.
Nas redes sociais e nos espaços de opinião da imprensa, visões favoráveis e contrárias às acusações de racismo contra o cartaz têm proliferado. Vice-presidente do maior partido de oposição, o PSD (centro-direita), Miguel Pinto Luz, minimizou a acusação.
"O direito à indignação e a liberdade de expressão são valores maiores das democracias. As palavras de ordem e as imagens, por vezes de mau gosto, são hipérboles. António Costa não percebeu isso e reagiu duramente contra um cartaz que o retratava, e também ele hiperbolizou a situação", escreveu.
O político relembrou as críticas e cartazes direcionados ao seu companheiro de partido, Pedro Passos Coelho, primeiro-ministro entre 2011 e 2015. Na liderança do país durante um período de resgate internacional e implementando uma pesada política de austeridade, o então líder português chegou a ser retratado com um bigode semelhante ao usado por Adolf Hitler. Passos Coelho "passou por pior, mas sempre com a elegância e o sentido de Estado de quem coloca o país em primeiro lugar", completou Luz.
Já a deputada socialista Isabel Moreira criticou quem se limitou a descrever as ilustrações como sendo de mau gosto. "Alguma leitura sobre a iconografia do racismo ajudaria. 'Animalizar' seres humanos foi sempre, sempre, mas sempre uma arma do racismo."
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