SÃO PAULO, SP, E BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - Bastaram apenas duas perguntas para que Jan Topic, candidato à Presidência do Equador, citasse o líder de El Salvador, Nayib Bukele, durante entrevista à reportagem.
"Muito se fala hoje desse poster boy de coisas bem feitas que é Bukele", afirmou Topic quando questionado sobre estratégias para mudar o que ele chamou de inoperância do Estado equatoriano. "Há coisas das quais não gosto nele, mas dentre as que gosto estão a clareza de ideias e a determinação."
O Equador é o mais recente exemplo da 'bukelização' que se espalha de cima a baixo pela América Latina. Isso porque o líder salvadorenho parece dar a receita perfeita para neutralizar outros Poderes e instituir uma política linha-dura na segurança pública sem perder a popularidade ?que, em seu caso, ronda os impressionantes 90% no quarto ano de mandato.
Ex-empresário da área de segurança, Topic, 40, lançou a sua campanha no mês passado com um vídeo no qual vestia uma jaqueta de couro preta e dirigia uma moto em cuja placa se lia "Equador sem medo". Grande parte de seu material de campanha trata da explosão de violência no país.
Nos últimos anos, os equatorianos viram no noticiário cenas com as quais não estavam acostumados, como chacinas em prisões, cadáveres pendurados em pontes, sicários abrindo fogo em restaurantes, sequestros-relâmpago e até um prefeito "reeleito" enquanto era velado.
"Eu não vou perder tempo. Criminosos: vocês têm até 20 de agosto para fugir deste país. Vou perseguir e prender vocês", afirma Topic em um vídeo de sua campanha. É nessa data que os equatorianos vão às urnas, três meses após o líder Guillermo Lasso dissolver o Parlamento e convocar novas eleições para evitar um impeachment.
Assim como o empresário, diversos candidatos equatorianos propõem o modelo salvadorenho como bala de prata. Outro exemplo é Bolívar Armijos, presidente do Conselho Nacional de Governos Paroquiais do país, que diz que se for eleito vai propor a Lei 100 ao Legislativo, para que "os assassinos passem na prisão o mesmo tempo que suas vítimas deixaram de viver, assumindo uma média de 100 anos de vida". Ele defende ainda detenção mínima de 50 anos para roubos e pena de morte para estupros.
"Os resultados da democracia são muito insuficientes nesse momento no país. A população está disposta a perder suas liberdades em troca de segurança", afirma o analista político e consultor Michel Rowland, que desistiu das férias na praia e diz estar com medo de ir a eventos eleitorais. "A sensação generalizada é de que as pessoas esperam uma linha dura. Muita gente tem falado sobre Bukele como modelo."
O cenário de violência não é estranho a outros países latino-americanos. Honduras, que ocupa ao lado de seus vizinhos da América Central posições de liderança entre os países mais violentos do mundo, está em estado de exceção parcial desde o final do ano passado ?política semelhante à de Bukele, que mantém seu país sob a mesma condição há 16 meses.
A Jamaica, no Caribe, também lançou mão do instrumento em novembro de 2022 para combater gangues. Já o Haiti vai receber um "escritório de cooperação" por iniciativa de El Salvador, que diz querer ajudar o país a reduzir os índices de criminalidade.
Na Guatemala, a presidenciável Sandra Torres, que está no segundo turno a ser disputado no dia 20 de agosto, disse que implementaria as estratégias de Bukele, entre elas a construção de megaprisões. Um candidato que ficou no primeiro turno copiou até mesmo o boné do presidente salvadorenho.
Países maiores e mais distantes, que poderiam usar referências internas, também recorrem à imagem de Bukele. A Colômbia, país no qual uma pesquisa da Datexco divulgada em maio calculou que 55% da população afirma que gostaria de ter um presidente como Bukele, dois pré-candidatos às prefeituras de Cali e Bogotá prometeram megaprisões como as construídas no país centro-americano.
Na Argentina, o nome do salvadorenho também aparece. "A Argentina precisa de mais Bukeles e menos Zaffaronis", disse Luis Petri, candidato a vice-presidente da direitista Patricia Bullrich, em uma entrevista em fevereiro. Ele se referia a Eugenio Raúl Zaffaroni, juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a quem acusa de "estar ao lado dos delinquentes".
Logo ao lado, no Paraguai, também houve o caso do extremista Paraguayo Cubas, candidato à Presidência que foi preso por incitar atos contra os resultados da eleição de maio. "Nossa principal referência é o presidente Bukele, que está acabando com a corrupção em El Salvador. É o exemplo que queríamos seguir", disse à Folha seu candidato a vice, Stilber Váldez, logo após a votação.
No Brasil, Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, apresentou um requerimento em abril na Comissão de Segurança Pública da Câmara para realizar visita técnica à megaprisão do país.
"Por muito tempo pensamos que os latino-americanos éramos imunes a esse tipo de força política", afirma Cristóbal Rovira Kaltwasser, diretor do Ultra-Lab, que estuda a ultradireita na América Latina. "Até que aparece o exemplo mais emblemático, que foi [Jair] Bolsonaro no Brasil."
Ele explica que, até o fim dos anos 1990, esse fenômeno era considerado essencialmente europeu. O movimento surgiu no continente nos anos 1970, com o representativo caso do Reunião Nacional, atualmente comandado por Marine Le Pen, na França. Isso muda, segundo Kaltwasser, no começo do milênio, quando começa a se espalhar no resto do mundo.
Ao viajar, o âmbito cultural da corrente ganha mais força e se adapta ao novo ambiente. Na América Latina, sai o tema da imigração, de forma geral, e ganha mais força a agenda de gênero e segurança pública, por exemplo.
"Foi com esse coquetel ideológico que a ultradireita conseguiu cativar um segmento do eleitorado que, no passado, poderia ter votado na direita convencional. Acredito que isso seja parte do dilema que a direita tem na América Latina hoje", afirma o pesquisador.
Nos últimos dez anos, cresceu de 34% para 45% a parcela da população na região que diz não ligar ou preferir um regime autoritário a um governo democrático, mostra a pesquisa Latinobarómetro, que entrevistou presencialmente mais de 19 mil pessoas. É o que o estudo chama de "recessão democrática", com o colapso da avaliação dos governos e da imagem dos partidos políticos na última década.
Sete em cada dez latino-americanos dizem estar insatisfeitos com a democracia e, em alguns países, a indiferença ou a opção por um regime autoritário são maiores que o desejo pela soberania popular.
"É a primeira vez que o populismo de direita tem um grupo transnacional", afirma Kurt Weyland, cientista político e professor da Universidade do Texas. "Antes, quando tinha o populismo neoliberal de Alberto Fujimori e Fernando Collor, eles atuavam aparentemente sozinhos em seus países, não tinham uma inspiração clara. Agora, Bolsonaro é o Trump tropical, e José Antonio Kast, o Bolsonaro chileno." Eles acabam de ganhar mais uma referência.
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