SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Enquanto o Ocidente aguardava apreensivo o encontro entre Vladimir Putin e Kim Jong-un, o presidente russo aproveitou seus discursos ao longo do dia no Fórum Econômico do Oriente em Vladivostok para elogiar efusivamente o empresário Elon Musk e dizer que Donald Trump é alvo de perseguição política.
No caso de Musk, fundador de empresas americanas de alta tecnologia como a Tesla, Putin disse que ele é "sem dúvida alguma uma pessoa extraordinária" por ter tornado os foguetes da SpaceX em atores centrais no transporte espacial, uma área antes dominada pela Rússia.
Mas o elogio não foi lido gratuitamente: Musk admitiu a informação publicada em sua biografia lançada nesta semana que rejeitou ligar a rede de satélites Starlink que pôs a serviço da Ucrânia para um ataque supostamente devastador com drones aquáticos contra a base da Frota do Mar Negro da Rússia, em Sebastopol (Crimeia), no ano passado.
Com isso, o mundo caiu na cabeça do empresário nascido na África do Sul, com críticas de autoridades ucranianas e ocidentais, além de discussões menos apaixonadas sobre o poder do setor privado sobre tecnologias vitais para os Estados. Sem o Starlink, a invasão russa talvez tivesse tido mais sucesso, dada a capacidade de interferência eletrônica de Moscou nas comunicações de Kiev.
Putin, claro, não falou diretamente do incidente dos drones, e citou o apoio do governo americano aos empreendimentos espaciais da SpaceX. E lamentou o fracasso recente da missão Luna-25, que visava pousar na Lua após décadas de ausência russa.
No começo do mês, o ex-presidente Dmitri Medvedev já havia provocado celeuma ao chamar Musk de "a última mente adequada na América do Norte".
No fórum, Putin repassou os temas usuais de suas falas, sobre as dificuldades econômicas da Rússia sob sanção e sua avaliação de que a contraofensiva de Kiev já fracassou. Disse que só haverá negociação quando os ucranianos decidirem parar de lutar.
Falou sobre Trump, que desde o pleito de 2016 é acusado pelos democratas nos EUA de ser um apoiador de Putin, que em troca teria ajudado a interferir com hackers na eleição vencida pelo republicano naquele ano. O russo já fez piada mais de uma vez sobre tal acusação, mas agora disse que os processos aos quais Trump é submetido são frutos de uma perseguição.
"Tudo o que acontece com Trump é perseguição política de um rival. É disso que se trata. Eu acredito que tudo isso ocorrendo agora é bom, porque mostra a podridão do sistema político americano, que não pode fingir que ensina os outros sobre democracia", afirmou.
Sobre sua relação com o republicano, ele negou que considera uma eventual vitória dele na eleição contra Joe Biden em 2024, caso as candidaturas mais óbvias sejam confirmadas, boa para a Rússia.
"Apesar de eles o terem acusado de ter uma relação especial com a Rússia, o que é um completo nonsense, ele impôs sanções aos russos mais do que qualquer outro quando foi presidente. Então, é difícil dizer o que esperar do futuro presidente, não importa quem seja, mas é improvável que algo vá mudar radicalmente", afirmou.
As frases alimentaram o dia das agências de notícias internacionais, que só queriam mesmo saber do encontro de Putin com Kim. Segundo a expectativa da Casa Branca, não comentada pelo Kremlin, a Rússia quer armas mais simples da Coreia do Norte para usar na Guerra da Ucrânia e Pyongyang, tecnologia militar avançada e alimentos de Moscou.
Tudo ficou nebuloso porque não foi divulgada nenhuma agenda prévia. A imprensa oficial norte-coreana disse que Kim deixou sua capital rumo a Vladivostok na tarde de domingo (10, madrugada no Brasil). É uma viagem de ao menos 20 horas, devido à lentidão do trem blindado do ditador e o fato de que os trens têm de trocar os eixos com rodas na fronteira com a Rússia, que usa uma bitola diferente nos trilhos.
Essa é uma desconfiança mútua que dificulta invasões e que o turista pode vivenciar na fronteira russo-mongol quando pega o desvio da mítica ferrovia Transiberiana rumo a Pequim.
O Kremlin divulgou imagens de Kim chegando à estação de Khasan, 150 km antes de Vladivostok, sendo recebido por autoridades secundárias russas. Dali, diz a imprensa sul-coreana, ele seguiu ultrapassando a cidade e pegando a Transiberiana rumo ao norte.
Putin deu uma dica sobre o mistério ao dizer que poderia visitar o cosmódromo de Vostóktchni, inaugurado em 2016 e que visa tirar o tráfego espacial da base de Baikonur, que a Rússia aluga no Cazaquistão. Como Kim tem tido problemas com seu programa espacial, que anda de mãos dadas com o de seus temidos mísseis, simbolicamente parece um lugar adequado para o encontro.
A ferrovia, com desvio, chega a cerca de 25 km desta base, em Glukhari, a aproximadamente 1.500 km de Vladivostok. A inacessibilidade da região facilita o mistério, e é bem possível que imagens dos dois líderes juntos só surjam quando a reunião tiver acabado.
Ele irá selar a entrada de Kim ao lado das aliadas Rússia e China na Guerra Fria 2.0 entre Pequim e Washington, só que com mais do que discursos segundo a expectativa ocidental.
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