BRASÍLIA, DF, E HAVANA, CUBA (FOLHAPRESS) - Uma eventual melhora na capacidade de Cuba de honrar os pagamentos de suas dívidas, como a que a ilha tem em aberto com o Brasil no valor de US$ 538 milhões (R$ 2,6 bilhões), depende de um afrouxamento das sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos.

A retirada de Havana da lista americana de países que financiam o terrorismo é um "fator determinante", afirma um técnico do governo brasileiro em um documento interno, obtido pela Folha de S.Paulo, que relata uma reunião preparatória entre integrantes de órgãos do Executivo e de bancos públicos para tratar da dívida cubana com Brasília.

Cuba foi recolocada na lista americana em 2021 em decisão tomada pelo ex-presidente Donald Trump. A ilha foi mantida na lista dos países que "não colaboram completamente" na luta contra o terrorismo pelo atual presidente dos EUA, Joe Biden.

O ato impõe ainda mais dificuldades comerciais ao país caribenho, para além do embargo aplicado desde a Guerra Fria. Diplomatas brasileiros dizem que esse tipo de política contribui para o sufocamento de Cuba.

O registro da reunião também menciona que, do ponto de vista econômico, a situação cubana é considerada "bastante complicada" pelo Clube de Paris -órgão que reúne um grupo de países credores com a finalidade de renegociar dívida governamental de nações em dificuldades financeiras.

No documento, são citadas duas negociações entre Cuba e o clube. A primeira contemplou um "significativo perdão de dívida" em 2015 --quando a entidade descontou US$ 2,6 bilhões de um total devido de US$ 11,1 bilhões, incluindo juros. A segunda ocorreu em 2021 e permitiu um alongamento dos prazos de pagamento. Mais recentemente, em agosto, Cuba retomou as negociações com o grupo.

De acordo com o relato do governo brasileiro, representantes do Clube de Paris estão céticos em relação às perspectivas de Havana de retomar pagamentos no curto prazo.

O documento mostra ainda que a secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Tatiana Rosito, discutiu em um encontro recente com um alto representante do clube as dificuldades na economia cubana e a necessidade de retomada do diálogo.

"O cochairman [vice-presidente do clube] assinalou que alternativas necessariamente devem contemplar, em algum momento futuro, alguma retomada dos pagamentos, permitindo que negociações possam avançar, tendo mencionado também possibilidades de cooperação na área de biotecnologia e modernização do parque ferroviário", diz trecho do registro.

Sobre riscos políticos da negociação com Cuba, um dos membros do governo brasileiro alertou sobre uma ação judicial envolvendo produtores nacionais de proteína animal -que não receberam desembolsos do Proex (Programa de Financiamento às Exportações) devido à inadimplência de Havana.

O tema foi abordado em missão recente de uma delegação de empresários brasileiros, liderada pela Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), em Cuba para discutir novas cooperações.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, o regime cubano disse a autoridades brasileiras "não possuir neste momento meios para o pagamento das suas obrigações" e sinalizou esperar "algum tipo de flexibilidade" por parte do governo Lula.

As parcelas vencidas remontam a aproximadamente US$ 538 milhões (considerando a taxa de câmbio entre euro e dólar), decorrentes de operações do Proex e de financiamentos com cobertura do SCE (Seguro de Crédito à Exportação). Os atrasos começaram em meados de 2016 e se agravaram em 2018.

Além do montante da dívida, Cuba ainda deve pagar US$ 520 milhões até 2038. Isso significa que a cifra total do valor que o Brasil pode perder na negociação com a ilha é próxima de US$ 1,1 bilhão.

A questão da dívida de Cuba com o Brasil também foi discutida em visita de Celso Amorim, assessor especial da Presidência para política externa, a Havana em agosto. À época, Amorim disse à Folha de S.Paulo que a viagem serviu como uma espécie de "prospecção" para entender de que forma o governo brasileiro pode ajudar o país. Segundo ele, a renegociação da dívida não foi o tema central do encontro.

Em um email interno do governo ao qual a reportagem teve acesso, é mencionado que o lado cubano já manifestou nas discussões "plena disposição de encontrar um comum acordo".

Segundo o arquivo, o presidente do Banco Central de Cuba, Joaquín Alonso Vázquez, propôs iniciar as negociações "com a maior brevidade possível" e indicou estar preparado para enviar delegação técnica ao Brasil "tão logo o lado brasileiro esteja pronto para dar início às conversas".

De acordo com o debatido na reunião preparatória, as medidas de flexibilização esperadas por Cuba na renegociação com o Brasil podem envolver um desconto no total da dívida em atraso, o uso de moedas alternativas ao dólar ou mesmo a realização de pagamentos em commodities cubanas. Os principais produtos hoje exportados pela ilha caribenha ao Brasil são charutos, cigarrilhas e cigarros que contenham tabaco, além de rum.

Segundo um interlocutor que acompanha as discussões, uma alternativa pode passar por um prazo mais longo para Cuba realizar os pagamentos.

Apesar de a dívida cubana estar no radar, as discussões ainda estão em fase preliminar. Não há expectativa de anúncio sobre a renegociação ou a definição de um calendário de pagamento. De acordo com a legislação brasileira, renegociações de dívidas do Executivo devem ser aprovadas pelo Senado Federal.

O presidente Lula desembarcou em Cuba nesta sexta-feira (15) para encontro do G77 + China (coalizão de países em desenvolvimento). A agenda do petista no país prevê uma reunião bilateral com o líder do regime cubano, Miguel Díaz-Canel, em mais um esforço de descongelar as relações com Havana após os governos de Michel Temer (MDB) e, principalmente, de Jair Bolsonaro (PL).

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