SÃO PAULO, SP (FOLAPRESS) - Kremlin acusou os Estados Unidos e o Reino Unido de terem organizado um dos incidentes mais misteriosos na Europa desde que Vladimir Putin invadiu a Ucrânia, em fevereiro de 2022: o atentado que fecharam o sistema de gasodutos Nord Stream, que ligava a Rússia à Alemanha, ocorrido há exato um ano.

Respondendo a repórteres nesta quarta (27) sobre o tema, o porta-voz Dmitri Peskov disse: "Eles [EUA e Reino Unido] estão envolvidos, de uma forma ou de outra, neste ataque terrorista". Horas antes, a representação russa na ONU havia dito que Alemanha, Dinamarca e Suécia protegiam os americanos em suas investigações sobre o incidente.

Esta foi a acusação mais direta feita pelo governo Putin sobre o caso. Antes, o presidente e diversas autoridades haviam sugerido que os ataques eram obra de americanos ou outros aliados ocidentais do governo de Kiev, apoiado pela Otan (aliança militar liderada pelos EUA).

Peskov não apresentou nenhuma prova. Anteriormente, o governo russo havia apoiado as conclusões de um controverso artigo do jornalista americano Seymour Hersh na plataforma online Substack, que colocava a culpa nos EUA. Apesar da fama pregressa como repórter investigativo, o texto se baseava em uma única fonte anônima e continha inconsistências apontadas por colegas de profissão.

A troca de acusações no caso começou no próprio dia em que ao menos quatro explosões subaquáticas destruíram 3 dos 4 ramais do sistema: 2 do Nord Stream 1, que operava desde 2012 e era o símbolo da dependência europeia do gás natural russo, e outro do Nord Stream 2, que foi inaugurado no fim de 2021 mas nunca entrou em operação por pressões políticas na Alemanha.

Ambos os projetos eram controlados pela gigante russa Gazprom, com forte participação europeia. Até antes da guerra, pelo Nord Stream 1 passavam 60% do gás vendido pelos russos aos alemães. Ao longo de 2022, a dependência foi reduzida, mas mesmo hoje cerca de 15% do produto consumido na União Europeia vem de Moscou, inclusive por gasodutos que passam pela Ucrânia conflagrada.

Os governos europeus apontaram inicialmente o dedo para Moscou no caso, mas vazamentos feitos à imprensa pelos investigadores alemães, suecos e dinamarqueses sugeriam a participação de um grupo de sabotadores ucranianos que, de forma conveniente para a narrativa aliada de Kiev, não responderiam ao governo de seu país.

Eles teriam alugado um pequeno iate para a operação. Uma investigação de seis meses conduzida pela revista alemã Der Spiegel e pela rede de TV ZDF, publicada em agosto, apontou para o governo de Volodimir Zelenski.

Mas dúvidas seguiram no ar, dado que as explosões confirmadas pela apuração sueca dificilmente teriam sido provocadas por um grupo pequeno. Os ataques foram sequenciais a uma profundidade de 80 metros no mar Báltico, algo que o Kremlin já havia dito só poder ter ocorrido com apoio de um "ator estatal" ?eufemismo ora dispensado por Peskov.

Do ponto de vista político, as investigações europeias também têm implicação. Se acusarem formalmente os russos de envolvimento, como já foi ventilado mais de uma vez, o incidente poderia cair dentro da definição de ataque à Otan, já que uma infraestrutura crítica de um de seus membros foi destruída.

E, pelas regras da aliança, se um membro for atacado, todos têm de revidar. Nesse sentido, buscar culpados de difícil rastreio é mais útil para os governos do que começar a Terceira Guerra Mundial.

Do ponto de vista russo, a argumentação de que inutilizar obras que custaram quase US$ 20 bilhões (cerca de R$ 100 bilhões) ao longo dos anos sempre foi o ponto central da defesa contra a acusação de terem cometido o ataque para acirrar a crise energética na Europa, visando a redução no apoio à Ucrânia.

Sem evidências robustas de lado a lado, por ora o ataque de 27 de setembro de 2022 permanece como um dos mistérios do conflito. E, mesmo que elas surjam, parece óbvio que serão rebaixadas à categoria de "fake news do inimigo", seja lá quem for ele.


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