SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Parlamento da Armênia aprovou nesta terça (3) o reconhecimento do TPI (Tribunal Penal Internacional) pelo país, em mais um gesto de desafio à Rússia após o enclave de Nagorno-Karabakh ter sido conquistado pelo Azerbaijão, em uma ação que encerrou 32 anos de disputa entre os vizinhos há duas semanas.

Com a ratificação, Ierevan agora é obrigada a prender Vladimir Putin se o presidente russo pisar em seu solo. O TPI emitiu uma ordem de prisão contra o líder em março, acusando-o de crimes de guerra pela retirada de crianças da Ucrânia durante a invasão iniciada por Moscou em 2022. O Kremlin diz que tudo é uma campanha difamatória.

Só que a Rússia é a maior parceira comercial da Armênia e sua protetora militar, algo definido por um tratado que permite o Kremlin manter a maior base fora de seu território, com 3.500 homens, blindados, tanques e caças em Gyumri.

"Este não é o tipo de decisão que se espera de um parceiro. A Armênia é nossa aliada, temos muito em comum", afirmou o porta-voz de Putin, Dmitri Peskov. Ele já havia advertido que a hostilidade crescente de Ierevan, além dos movimentos de aproximação com o Ocidente, eram erros do governo do premiê Nikol Pashinyan.

O político, por sua vez, culpa a Rússia por permitir a operação que, em 24 horas, anulou as defesas do enclave de Nagorno-Karabakh, região histórica armênia que virou parte do Azerbaijão em 1921, por decisão de Josef Stálin, então a principal autoridade soviética no Cáucaso, região em que os russos davam as cartas desde 1822.

Com o fim da União Soviética em 1991, armênios e azeris passaram a disputar o território. Em uma guerra aberta de 1992 a 1994, Ierevan conquistou sete províncias no entorno do enclave, garantindo sua proteção e ligação por terra com a Armênia. Cerca de 600 mil pessoas deixaram suas casas.

Em 2020, Baku deu o troco, com apoio da Turquia, potência regional emergente. As áreas foram reconquistadas e Nagorno-Karabakh, unida à Armênia apenas por uma estrada, o chamado corredor de Lachin. Putin patrocinou a paz frágil, deixando 2.000 soldados como força de paz para proteger os armênios étnicos, que tratavam seu território como um ente independente, a República de Artsakh.

O arranjo colapsou neste ano, com o bloqueio do corredor pelos azeris. Quando ele foi reaberto, no mês passado, em uma semana Baku tomou a ação decisiva, que analistas militares atribuem não só ao apoio turco, mas também ao de Israel.

Nos últimos anos, Tel Aviv estabeleceu laços significativos com o Azerbaijão, fornecendo drones, equipamentos de vigilância e, vitais na ação da semana retrasada, mísseis de ataque preciso solo-solo Lora. A Armênia agora teme um ataque contra sua região sul, que separa o vizinho do exclave azeri de Nakhchivan.

O interesse do Estado judeu é criar uma frente de pressão contra seu maior rival regional, o Irã, que tem cerca de 25% de sua população de origem étnica azeri. O temor em Teerã é que a vitória de Baku incentive movimentos separatistas no norte do país, que significativamente é chamado pelos azeris de Azerbaijão do Sul.

Após a derrota militar, o governo autônomo de Nagorno-Karabakh anunciou sua dissolução, e mais de 100 mil de seus estimados 120 mil habitantes já cruzaram a fronteira rumo à Armênia. A crise humanitária só cresce, com cerca de 50 mil desses refugiados dependendo de ajuda de entidades internacionais.

A Cruz Vermelha é uma delas. Nesta terça, um time do órgão chegou a Stepanakert, a capital regional que agora deverá atender pelo nome azeri, Khankendi. "A cidade está completamente deserta. É surreal", afirmou o enviado Marco Succi, em videoconferência com repórteres.

"Os hospitais não funcionam, os médicos foram embora, a autoridade de saneamento foi embora, o diretor do necrotério, também. Assim, este cenário é bem surreal", afirmou. Ele estimou que a capital, que tinha talvez 50 mil habitantes, agora só tenha algumas centenas ?idosos e doentes incapazes de sair sozinhos, em sua maioria.

Baku prometeu integrar e proteger quem quisesse ficar, mas o longo histórico de violência entre os vizinhos desencorajou a população.

A União Europeia, que tem no Azerbaijão uma das principais fontes substitutas do gás russo após as sanções da Guerra da Ucrânia, tem se queixado da limpeza étnica e, nesta terça, disse que poderá "rever os laços" com os azeris, mas as palavras ainda têm de ultrapassar a retórica devido à importância econômica da relação.


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