SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A principal instituição jornalística do Reino Unido, a BBC, se desculpou nesta sexta-feira (13) com Donald Trump pelo erro na edição de um discurso de 2021, mas afirmou que não pagará a indenização de US$ 1 bilhão (R$ 5,3 bilhões) pedida pelo presidente americano. A decisão adiciona mais um capítulo à crise interna que a esquerda britânica vê como parte de uma ofensiva orquestrada pela direita para minar a emissora.
Ed Davey, líder dos Liberais Democratas, partido de oposição no Parlamento britânico, publicou um artigo no jornal The Guardian afirmando que Trump, conservadores britânicos e aliados de Boris Johnson "estão se agarrando a um único erro" para desgastar a BBC e abalar sua independência. Para Davey, a ofensiva integra "uma escalada" que inclui ataques de longa data à emissora e o uso político de suas falhas.
O desencadeador da crise foi o memorando de Michael Prescott, que foi consultor do comitê de diretrizes editoriais da emissora, vazado no dia 7 de novembro. No relatório, ele acusou o programa Panorama, da BBC, exibido uma semana antes da eleição americana de 2024, de editar dois trechos do discurso de Donald Trump do dia 6 de janeiro de 2021 como se fossem contínuos.
Após a publicação do documento pelo jornal britânico The Telegraph, o diretor-geral da emissora, Tim Davie, e a diretora-executiva de Jornalismo da empresa, Deborah Turness, renunciaram aos seus cargos.
Trump chamou ambos de "pessoas muito desonestas", e a Casa Branca afirmou que a BBC seria "100% fake news" e uma "máquina de propaganda". O ex-primeiro-ministro britânico Boris Johnson disse que a companhia teria sido "flagrada em múltiplos atos de parcialidade esquerdista" e, também por isso, Davie "deveria explicar ou renunciar". A líder do Partido Conservador, Kemi Badenoch, declarou que "cabeças deveriam rolar".
As renúncias e os pedidos de desculpas não foram suficientes. Além disso, as relações das pessoas que soaram o alarme sobre o erro viraram alvo de atenção. Prescott foi indicado ao cargo por Robbie Gibb, membro da mesa diretora da BBC que foi chefe de comunicação de Theresa May -quando ela era primeira-ministra-, ex-consultor da GB News e nomeado à diretoria da emissora por Johnson, premiê de 2019 a 2022.
Segundo funcionários da BBC ouvidos pelo Guardian, o ex-premiê estaria, junto de outros conservadores, tentando minar a liderança da emissora. As pessoas ouvidas sob condição de anonimato afirmamram que o vazamento e as consequentes críticas fazem parte de uma tentativa orquestrada para atacar a organização, em especial neste momento em que se aproximam as negociações da nova carta régia, que vence em 2027. Este é um documento renovado a cada 10 anos e que estabelece os termos e a finalidade das operações da BBC.
Em meio à preparação para essa reedição, a ministra da Cultura, Lisa Nandy, afirmou que a revisão deve ajudar a BBC a "se adaptar a uma nova era". O presidente do conselho da emissora, Samir Shah, prometeu apresentar ao Parlamento sua visão sobre o futuro do órgão após se desculpar pelo "erro de julgamento" do programa Panorama.
Newsletter Lá Fora Receba no seu email uma seleção semanal com o que de mais importante aconteceu no mundo *** A emissora rejeitou que haja viés "institucionalmente tendencioso" em seu trabalho. Turness afirmou que, embora "erros tenham sido cometidos", a corporação não age com parcialidade em todos os casos. O memorando de Prescott também acusa o serviço árabe da BBC de enfatizar em excesso críticas a Israel e ataca a cobertura de temas trans e raciais. A corporação reconheceu erros pontuais em diferentes ocasiões e disse ter revisado processos e deixado de usar colaboradores citados como problemáticos.
Para Davey, no entanto, o foco exclusivo no erro relacionado ao discurso de Trump é sintomático. O liberal-democrata afirma que figuras conservadoras vêm pressionando a BBC há anos e cita interferências políticas em nomeações editoriais como exemplo do que seria uma erosão mais profunda da independência da corporação. "Trump e seus aliados não estão defendendo integridade jornalística", escreveu. "Eles estão aproveitando um erro para atacar toda a instituição."
Com a saída de Davie e Turness, a sucessão deve ser conduzida pela mesa diretora da BBC -da qual Robbie Gibb continua a ser membro. Também por isso, o líder dos Liberais Democratas --em consonância com ex-funcionários que também reconhecem o erro, mas questionam a avalanche de ataques-- afirmou que "o primeiro passo para salvar a preciosa BBC" seria remover Gibb da mesa "e pôr fim à prática de nomeações políticas".