SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Os dois sobreviventes do primeiro ataque da ofensiva americana no Caribe e no Pacífico, no dia 2 de setembro, ficaram mais de uma hora agarrados a destroços do barco atingido pelos militares antes de serem mortos por uma segunda explosão, afirmou a Reuters nesta sexta-feira (5).

A agência de notícias descreveu o incidente com base em relatos de duas pessoas que viram o vídeo do ataque na íntegra. Pressionados pelas acusações de crime de guerra, militares de alto escalão dos Estados Unidos mostraram as imagens a alguns membros do Congresso americano nesta quinta (4).

De acordo com a descrição, a ofensiva começou com uma munição que explodiu no ar antes de atingir os 11 tripulantes, formando um guarda-chuva de estilhaços. Quando a fumaça se dissipou, dois homens que de alguma forma haviam sobrevivido à explosão apareceram agarrados a um pedaço da proa da embarcação.

Eles estavam sem camisa, desarmados e não carregavam nenhum equipamento de comunicação visível. Também pareciam não ter ideia do que havia acabado de atingi-los ou de que as Forças Armadas dos EUA estavam considerando matá-los. Segundo uma das pessoas que falou com a Reuters, o vídeo os acompanha por cerca de uma hora tentando virar o barco de volta, em vão.

Ainda de acordo com os interlocutores da agência de notícias, o almirante Frank Mitchell Bradley, que chefiava o Comando Conjunto de Operações Especiais na época, afirmou ter atacado o barco pela segunda vez após concluir que os destroços provavelmente estavam boiando porque continham cocaína e poderiam flutuar por tempo suficiente para serem recuperados.

O vídeo mostra três outros disparos contra a embarcação danificada, segundo um dos interlocutores, que afirmou ainda que era possível ver seus rostos e corpos nas imagens.

O vídeo foi exibido a portas fechadas no Capitólio por Bradley e pelo general Dan Caine, chefe do Estado-Maior Conjunto. As reações dos parlamentares que o assistiram se dividiram de acordo com o partido: os democratas expressaram choque, enquanto os republicanos defenderam a legalidade do ataque.

"Você tem dois indivíduos em claro perigo, sem qualquer meio de locomoção, com uma embarcação destruída, que foram mortos pelos EUA", disse o deputado Jim Himes, de Connecticut, o principal democrata no Comitê de Inteligência da Câmara, a jornalistas.

"Eu vi dois sobreviventes tentando virar de volta um barco, carregado de drogas destinadas aos EUA, para que pudessem continuar na luta", disse, por sua vez, Tom Cotton, do Arkansas, o presidente republicano do Comitê de Inteligência do Senado.

Esse foi o primeiro de 22 ataques a barcos realizados pelos EUA em três meses sob o pretexto de combate ao tráfico de drogas -o último deles foi realizado no Pacífico nesta quinta. Washington nunca apresentou evidências de que os barcos levavam drogas nem interceptou ou interrogou qualquer um dos suspeitos.

As operações na região ganharam novo contorno após os detalhes do ataque de 2 de setembro serem revelados pela imprensa americana nas últimas semanas.

O direito internacional não permite ataques contra pessoas que não ofereçam perigo iminente, a não ser que se tratem de combatentes inimigos em um contexto de conflito armado -o que não é o caso no Caribe. Mesmo que os EUA estivessem em guerra com os traficantes, aliás, a segunda ordem seria um crime de guerra, uma vez que soldados feridos, fora de combate ou que se rendam têm direito a proteção.

O próprio Manual de Direito da Guerra do Departamento de Defesa proíbe ataques contra combatentes incapacitados, inconscientes ou náufragos, desde que se abstenham de hostilidades e não tentem escapar. O manual cita o disparo contra sobreviventes de naufrágios como um exemplo de ordem "claramente ilegal" que deve ser recusada.

Sob Trump, os EUA realizam a maior mobilização militar na América Latina em décadas. Membros linha-duro do governo Trump, como o secretário de Estado, Marco Rubio, defendem nos bastidores uma intervenção militar com o objetivo de derrubar do poder o ditador Nicolás Maduro.

Os EUA já deslocaram imenso poder de fogo para as águas ao redor da Venezuela, incluindo o porta-aviões USS Gerald Ford, maior navio de guerra do mundo.

Tags:
agência