BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - O governo dos Estados Unidos tem intensificado suas ações na América Latina e transformado o continente em uma de suas prioridades, com intervenções a favor de aliados e pressões contra adversários.

O movimento ficou ainda mais evidente nesta sexta-feira (5) com a publicação da nova Estratégia Nacional de Segurança, documento publicado regularmente pela Casa Branca que delineia suas prioridades militares.

Nele, o governo do presidente Donald Trump afirma querer acabar com as migrações em massa no mundo, fazer do controle das fronteiras "o elemento principal da segurança" dos EUA e reviver a Doutrina Monroe na América Latina, o que o texto chama de "Corolário Trump".

Antes do fim de seu primeiro ano de volta à Casa Branca, Trump já acumula diferentes medidas para reforçar sua influência na região, sobretudo em países que passaram recentemente por eleições nacionais ou que têm novos pleitos no radar.

Do aumento da presença militar no mar do Caribe para pressionar Nicolás Maduro a uma intervenção no mercado de câmbio argentino para salvar Javier Milei, o tratamento dado por Trump varia de acordo com a afinidade política com o líder de cada país.

Nayib Bukele, de El Salvador, se tornou um totem da ultradireita no continente, por sua política linha-dura de combate à criminalidade, com encarceramentos em massa. Trump o recebeu no Salão Oval da Casa Branca, ofereceu-lhe apoio e disse estar grato por El Salvador receber e prender imigrantes deportados pelos EUA.

Milei pode não ter conseguido uma foto no Salão Oval ao visitar a Casa Branca, mas foi recompensado pelo Tesouro americano com um pacote de resgate financeiro. A medida deu estabilidade à moeda argentina e evitou uma crise cambial na véspera das eleições legislativas nacionais, em outubro, que terminaram por favorecer o grupo político do presidente argentino.

Ao justificar o apoio, o governo Trump disse que a aliança seria vantajosa para empresários dos EUA e garantiria acesso a recursos naturais. "A Argentina está lutando pela vida. Você entende o que isso significa? Eles não têm dinheiro, não têm nada", disse o americano a uma jornalista.

Em diferentes ocasiões, o presidente dos EUA culpou os rivais democratas por ignorarem a América Latina, abrindo espaço para o crescimento da influência chinesa na região.

Essa reformulação tem as digitais do secretário de Estado, Marco Rubio, que celebrou a eleição de Rodrigo Paz, na Bolívia, após duas décadas de vitórias do MAS (Movimento ao Socialismo), de Evo Morales. No Chile, o ultradireitista José Antonio Kast aposta em uma política anti-imigração parecida à dos EUA para vencer a governista Jeannette Jara no pleito do próximo domingo (14).

"A diferença entre a Doutrina Monroe e o Corolário Trump está no contexto. No primeiro caso, os EUA eram uma potência em ascensão, em busca de novos mercados; hoje, são uma potência em declínio, ultrapassada em termos de relações comerciais pela China em quase todos os países da América do Sul", avalia Thomas Posado, professor-adjunto na Universidade de Rouen, na França.

Ao mesmo tempo, a Casa Branca tem sido dura com líderes da esquerda do continente. O principal alvo é Maduro, com a oferta de recompensas pela captura do ditador e a possibilidade de ações militares diretas na Venezuela, após ataques a barcos suspeitos de tráfico de drogas. O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, que deixa o cargo no ano que vem, também foi alvo de sanções.

O republicano apoiou abertamente Nasry Asfura, um dos candidatos nas eleições em Honduras, onde a apuração apertada mantém o político de direita poucos milhares de votos à frente do adversário, Salvador Nasralla.

Posado considera que no combate ao narcotráfico, o viés ideológico de Trump é absoluto. "Nem Petro nem Maduro foram condenados pelo sistema judiciário dos EUA após um julgamento, ao contrário do ex-presidente de Honduras Juan Orlando Hernández, que foi condenado por um júri federal de Nova York por contrabando de drogas e agora foi perdoado [por Trump]."

Também não houve ações semelhantes contra o Equador, governado pelo aliado Daniel Noboa e que nos últimos anos se tornou uma importante rota do tráfico de drogas.

Ele pondera que a perspectiva de um ataque terrestre à Venezuela não parece ser o cenário mais provável. "Os 15 mil soldados americanos destacados no Caribe não têm capacidade para invadir um país de quase um milhão de quilômetros quadrados, com centenas de milhares de soldados", avalia o cientista político, que é autor do livro "Venezuela: de la Révolution à l'Effondrement" ("Venezuela: da Revolução ao Colapso", editado pela Presses Universitaires du Midi).

Os desafios enfrentados por Trump ainda incluem a manutenção de boas relações com um de seus principais parceiros comerciais, o México, liderado pela presidente Claudia Sheinbaum, que tem conseguido evitar medidas mais drásticas, mas protagonizou embates com o vizinho sobre imigração e combate ao narcotráfico.

Já o governo Lula foi inicialmente alvo da estratégia de Trump, especialmente após as sanções e tarifas aplicadas ao país. Recentemente, porém, a postura de Trump começou a mudar e ele se encontrou com o brasileiro, iniciando negociações para a remoção de tarifas.

Posado complementa que, no longo prazo, as políticas da Casa Branca não devem melhorar as condições de vida dos latino-americanos. "Trump conseguiu controlar o Partido Republicano graças a um discurso isolacionista diante das baixas no Iraque e no Afeganistão; o discurso de uma guerra aberta [na Venezuela] é rejeitado pelo eleitorado e poderia lhe custar votos", diz.