SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A líder da oposição venezuelana, María Corina Machado, não chegou a tempo para participar da entrega do Prêmio Nobel da Paz nesta quarta-feira (10), em Oslo, e foi representada pela sua filha, Ana Corina Sosa Machado. Sua presença na cerimônia era incerta, já que o regime de Nicolás Maduro a proibiu de viajar.

No palco, uma cadeira vazia ao lado de um quadro com uma foto de María Corina a representou. A opositora de 58 anos está em segurança e chegou à capital do país por volta das 21h (horário de Brasília). Ela deve conceder uma entrevista coletiva ainda nesta quarta.

Após receber o prêmio, Ana Corina fez um discurso confirnando que sua mãe chegaria mais tarde. "Em poucas horas, poderemos abraçá-la aqui em Oslo após 16 meses vivendo escondida. Enquanto aguardo esse momento, [...] penso nas outras filhas e filhos que não poderão ver suas mães hoje. É isso o que a impulsiona. Ela quer viver em uma Venezuela livre e nunca desistirá desse propósito."

"É por isso que todos nós sabemos -e eu sei- que ela voltará muito em breve à Venezuela." Em seguida, ela leu um discurso escrito pela mãe. "Minha geração nasceu em uma democracia vibrante e a tomamos como certa. Valorizamos nossos direitos, mas esquecemos nossos deveres", dizia parte do texto.

O discurso dizia que que a Venezuela, "contra todas as probabilidades, acordou". O texto ainda recordou como ela foi impedida de concorrer à Presidência em julho de 2024, "em um duro golpe" da ditadura.

"Edmundo González deu um passo à frente. Um ex-diplomata sereno e corajoso. O regime acreditou que ele não representava nenhuma ameaça, mas o subestimaram" -segundo a contagem de votos da oposição, González derrotou Maduro no pleito do ano passado.

A leitura do discurso durou quase 25 minutos e, ao final, os convidados a aplaudiram de pé. Ana Corina, 34, é a filha mais velha da opositora venezuelana. Ela é formada em engenharia industrial pela Universidade de Michigan, com MBA em Harvard, vive em Nova York e trabalha em uma empresa de processamento de dados. Após a crescente perseguição política sobre a família, seus irmãos migraram para EUA e Colômbia. Ana Corina se tornou uma espécie de representante informal da mãe após as restrições de viagem do regime de Maduro.

A entrega do prêmio ocorreu no prédio da prefeitura de Oslo com a presença do rei Harald, da rainha Sonja e de quatro presidentes latino-americanos: Javier Milei (Argentina), Daniel Noboa (Equador), José Raúl Mulino (Panamá) e Santiago Peña (Paraguai). Edmundo González, que hoje vive na Espanha, a mãe de María Corina, Corina Perez de Machado, e a neta de Martin Luther King Jr, Yolanda Renee King, também estavam entre os presentes.

O presidente do comitê do Nobel da Paz, Jorgen Watne Frydnes, fez um longo discurso de abertura criticando os presos políticos da ditadura de Maduro e citou a imigração em massa dos cidadãos do país.

"Os que ainda seguem [na Venezuela] vivem sob um regime que sistematicamente silencia, assedia e ataca a oposição", disse Frydnes. Ele pediu que Maduro "aceite o resultado" da eleição presidencial de 2024 e deixe o cargo, no que foi aplaudido pela plateia.

O paradeiro de María Corina era desconhecido até então -ela não é vista em público desde janeiro. Dezenas de venezuelanos no exílio viajaram para a capital norueguesa para possivelmente acompanhá-la nesta semana.

Horas antes de confirmar a realização da entrevista, o comitê já havia confirmado que, apesar da ausência na cerimônia, havia confirmação de que a líder venezuelana está em segurança e que ela viajaria para a capital norueguesa.

O ministro do Interior da Venezuela e número 2 do chavismo, Diosdado Cabello, disse na segunda desconhecer detalhes sobre a viagem da opositora. Em novembro, o procurador-geral venezuelano disse à agência de notícias AFP que ela seria considerada foragida caso deixasse o país.

María Corina recebeu o Nobel da Paz em 10 de outubro "por seu incansável trabalho em favor dos direitos democráticos do povo venezuelano e por sua luta por uma transição justa e pacífica da ditadura à democracia" no país, segundo a organização.

A opositora mantém proximidade com setores alinhados ao presidente dos EUA, Donald Trump, que acusam Maduro de envolvimento com organizações criminosas que representariam ameaça direta à segurança nacional americana -posição questionada por setores da inteligência de Washington. Ao receber o anúncio da premiação, em outubro, ela dedicou parte do reconhecimento a Trump.

María Corina venceu com ampla margem as primárias da oposição para a eleição presidencial de 2024, mas foi impedida de concorrer. Após o pleito contestado, que resultou na declaração oficial da vitória de Maduro, ela entrou na clandestinidade em agosto, quando o regime intensificou as prisões de opositores.

A entrega do Nobel coincide com a mobilização militar dos EUA no Caribe e no Pacífico, onde mais de 80 pessoas foram mortas em ataques americanos contra embarcações usadas, segundo Washington, para o transporte de drogas.

Os EUA dizem que as ofensivas, iniciadas em agosto, fazem parte de operações contra o narcotráfico, mas especialistas questionam a legalidade desses ataques, e Maduro insiste que o objetivo é derrubá-lo e se apoderar das riquezas da Venezuela, rica em petróleo.

O movimento teve uma escalada nesta quarta com os EUA interceptando um petroleiro na costa da Venezuela. Trump disse que a ação ocorreu "por uma ótima razão", mas não deu detalhes. Maduro falou em "interferência ilegal e brutal".