SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Após passar quase quatro anos rejeitando perdas territoriais para apaziguar os invasores russos, o presidente Volodimir Zelenski começou a ceder à pressão de Donald Trump e admitiu nesta quinta-feira (11) que elas podem ocorrer, desde que haja uma consulta à população da Ucrânia.
Segundo ele, Kiev poderia se retirar dos cerca de 20% que ainda controla de Donetsk, a joia da coroa do leste ucraniano, caso haja um referendo "ou eleição" que aprove isso.
Zelenski comentava com repórteres na capital de seu país acerca da resposta que deu à proposta americana para colocar um fim à Guerra da Ucrânia. É a segunda devolução do que chamou de "conjunto de documentos" para os americanos.
No mês passado, Trump surpreendeu o mundo ao apresentar uma proposta francamente favorável aos termos russos para o fim do conflito, desenhados por Vladimir Putin em 2024 e reiterados em uma minuta em junho deste ano.
Com o apoio de aliados europeus, temerosos de uma vitória ainda que parcial da Rússia, Zelenski elaborou uma contraproposta mais equilibrada. Na semana passada, ela foi discutida com Putin por enviados de Trump, e o russo manteve suas demandas maximalistas.
Ou seja, nada garante que, mesmo que Trump concorde com os 20 pontos delineados agora pelo ucraniano, o Kremlin tope um cessar-fogo. Mais cedo, o chanceler russo, Serguei Lavrov, havia dito que "não havia mais desentendimentos" acerca do que Moscou quer por parte dos EUA.
Segundo Zelenski, não há um prazo para o fim das negociações, que segundo a mídia americana Trump gostaria de ver encerradas neste ano ?a trégua na Ucrânia era uma promessa de campanha dele no ano passado, quando dizia que acabaria com o conflito em 24 horas.
O ucraniano concorda com a avaliação. "Acho que eles querem ter uma compreensão completa de onde estamos até o Natal", disse o ucraniano.
O presidente não detalhou toda sua contraproposta, mas disse que há dois pontos mais contenciosos. Um é o destino de Donetsk, que forma com a já controlada pelos russos Lugansk a região histórica do Donbass, o berço do conflito atual.
Ele disse que os americanos querem que os ucranianos se retirem dos 20% que controlam em Donetsk, que virariam uma "zona econômica livre", um eufemismo para tampão, como estava no plano original de Trump, rascunhado por negociadores americano e russo.
"Quem vai governar essa área? Isso é tudo muito sério. Não é um fato que a Ucrânia concordaria com isso, mas se você está falando num acordo, então tem de ser um acordo justo", disse. Essa perda só poderia ocorrer por meio de uma consulta popular, caso a proposta vá em frente, completou, sem falar na óbvia questão da exequibilidade de um referendo.
Ele disse que os russos teriam também de sair das faixas menores que ocupam fora das quatro regiões que anexaram ilegalmente em 2022. Neste ano, houve avanços em Kharkiv (norte), onde nesta quinta a Rússia conquistou mais uma vila, Sumi (norte) e Dnipropetrovsk (centro), além do leste em si.
Outro ponto que ele considera emperrado é o controle da usina nuclear de Zaporíjia, a maio da Europa, que está sem operar e em mãos russas desde o começo da guerra. Segundo ele, a Ucrânia e a Rússia a querem, enquanto os EUA propuseram uma divisão do controle que parece inexequível, talvez sob a batuta da Agência Internacional de Energia Atômica.
Zelenski demonstrou desconforto acerca dos contatos entre Trump e Putin, sugerindo que pode estar sendo passado para trás. "Os EUA não querem nos ver na Otan [aliança militar liderada por Washington]. Quais são os acordos separados entre os EUA e a Rússia? Não sabemos. Com o tempo, todos os segredos serão revelados", disse.
Nesta semana, ele já havia admitido a contragosto mudar a lei para que possam ocorrer eleições mesmo sob lei marcial, já que seu mandato acabou no ano passado. Trump o questionou publicamente duas vezes sobre isso, e no passado já o havia chamado de "ditador sem eleições" ?adotando a linha de Putin de deslegitimar o ucraniano.
O líder em Kiev passa por um momento complexo, com perdas militares e sob o impacto de um escândalo de corrupção que derrubou dois ministros e seu braço-direito, o chefe de gabinete Andrii Iermak, que liderava as negociações com os EUA
Zelenski se reuniu virtualmente nesta quarta para discutir a situação com seus aliados da chamada Coalizão dos Dispostos, liderada por Alemanha, Reino Unido e França. Os líderes desses países foram admoestados na terça por Trump em um telefonema a forçar Kiev a ceder, após o americano dizer que eles eram fracos em uma entrevista.
O republicano quer que a Ucrânia, além de ser neutra militarmente, limite suas Forças Armadas. Na proposta original, a ideia era um teto de 600 mil soldados, ante os 800 mil atuais, número revelado nesta quinta por Zelenski.
Por fim, há o complexo tema das garantias de que Putin não vai voltar a atacar. Lavrov disse que a Rússia apresentou um pacote completo para Trump, enquanto Zelenski diz que os termos não são claros. Sem isso, a perspectiva de uma trégua segue sendo apenas isso, uma possibilidade.