SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Kremlin aceita a criação de uma zona tampão entre suas forças e as de Kiev no leste do vizinho invadido em 2022, mas rejeita a sugestão feita pelo presidente Volodimir Zelenski de que isso deveria ser submetido a um referendo na Ucrânia.

"Toda a região do Donbass é russa", afirmou nesta sexta-feira (11) o assessor presidencial Iuri Uchakov, que acompanha Vladimir Putin em uma viagem a Ashgabad, no Turcomenistão. O território é composto pelas províncias de Lugansk, toda ocupada por Moscou, e Donestk, que ainda tem cerca de 20% sob controle de Kiev.

Ambas foram anexadas ilegalmente por Putin em 2022, ao lado das vizinhas Zaporíjia e Kherson, que formam a ponte terrestre entre a Rússia e a Crimeia, anexada em 2014 após a derrubada do governo pró-Moscou em Kiev.

A ideia do referendo havia sido ventilada na véspera por Zelenski, que está cedendo aos poucos à pressão descomunal exercida por Donald Trump para tentar fechar um cessar-fogo até o Natal. O presidente americano quer que o ucraniano admita perdas territoriais e neutralidade militar.

A questão do cronograma é ponto de consenso entre russos e ucranianos: deve demorar mais do que Trump gostaria. Foi o que disseram tanto Zelenski quanto Uchakov.

O russo, aí numa entrevista publicada também nesta sexta no jornal Kommersant, admitiu pela primeira vez a criação de uma zona desmilitarizada na área hoje ucraniana de Donetsk.

Mas com um detalhe: controle russo. "É inteiramente possível que não haja tropas lá, russas ou ucranianas. Mas haverá a Guarda Nacional russa, nossa polícia, tudo o que for preciso para manter a ordem e organizar a vida", disse.

A Guarda Nacional, criada de forma a ser uma tropa pretoriana de Putin em 2016, tem hoje cerca de 400 mil homens. Alguns deles viram ação, de forma limitada, na Guerra da Ucrânia. Depois do motim dos mercenários do Grupo Wagner em 2023, ela foi absorveu os armamentos pesados dos rebeldes.

Uchakov afirmou que o Kremlin ainda não viu oficialmente a nova versão do acordo de paz, revisada por Zelenski e enviada a Trump nesta semana. A proposta, que foi comentada mas não divulgada pelo ucraniano, visa responder à adoção aparente dos termos russos pelos EUA após o republicano enviar emissários para conversar com Putin na semana passada.

A atual negociação, a terceira tentativa de Trump desde que voltou à Casa Branca em janeiro, começou com uma proposta rascunhada pelos negociadores Steve Witkoff, dos EUA, e Kirill Dmitriev, da Rússia. Ela não foi aprovada por Putin, mas era amplamente favorável ao russo.

Depois, com ajuda de aliados europeus, Zelenski fez uma contraproposta, cujos termos genéricos eram mais favoráveis a Kiev, que foi rejeitada pelo Kremlin. Aí veio a reunião da semana passada de Putin com os americanos e a nova resposta do ucraniano.

Nessa barafunda de versões, os detalhes se perderam do público. Apenas a primeira minuta russo-americana foi divulgada, com seus 28 pontos que previam até a paz entre Moscou e a aliança militar Otan. O que se debate agora são 20 itens, segundo Zelenski, que não os revelou inteiramente.

Uma questão fundamental para os ucranianos diz respeito às garantias de segurança, ou seja, um seguro que previna Putin de voltar a invadir caso haja um cessar-fogo. Trump disse estar disposto a ajudar com isso, mas não detalha como.

Já os europeus se dizem prontos para enviar uma força de paz à Ucrânia, algo totalmente inaceitável para a Rússia -afinal de contas, um dos "casus belli" alegado por Putin para a invasão era impedir que Kiev aderisse à aliança ocidental Otan.

Além disso, a União Europeia vai decidir na semana que vem um ponto sensível no seu embate com a Rússia, que é o uso de R$ 1,3 trilhão em reservas de Moscou congeladas por sanções no continente, a maior parte na Bélgica. Há diversas resistências políticas e técnicas à ideia, chamada de roubo pelo Kremlin.

Enquanto a novela se desenrola, os combates seguem, com o Ministério da Defesa da Rússia anunciando nesta sexta mais avanços em Kharkiv (norte), que não faz parte de sua lista oficial de demandas, e Zaporíjia.

Segundo Zelenski, uma opção na mesa é a criação da zona tampão, o congelamento das linhas de frente em Zaporíjia e Kherson, que têm cerca de 75% da área ocupada, e a devolução de territórios em outras províncias -há forças russas em trechos de Kharkiv, Sumi (norte) e Dnipropetrovsk (centro).