BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - "Chi-Chi-Chi / Le-Le-Le / Viva o Chile / Viva o Chile", cantava um grupo de apoiadores para a comitiva que entrava, nesta segunda-feira (15), no Palácio La Moneda.
O cântico famoso em estádios para animar a seleção nacional desta vez era dirigido a um homem só: José Antonio Kast, o ex-deputado da ultradireita eleito presidente do Chile no domingo (15).
O líder do Partido Republicano parou o trânsito do centro de Santiago ao se reunir por mais de uma hora com o presidente em fim de mandato, Gabriel Boric.
O caminho do carro de Kast até o portão da sede do Executivo é mais longo do que parece. Esse encontro parecia impossível, já que os dois políticos protagonizaram uma dura campanha eleitoral há quatro anos --quando o ultraconservador perdeu as eleições para a liderança de esquerda com trajetória meteórica.
Desta vez, encontraram-se em situação bem distinta. Kast, que teve quase 60% dos votos no domingo, vencendo com folga a governista Jeannette Jara, viu um Boric de baixa popularidade.
Eleitor de Boric em 2021, o caminhoneiro Ricardo Cortez Castro, 54, desiludiu-se com o ex-líder estudantil. No domingo, votou em Kast. Ele diz esperar que o ultradireitista entregue um país melhor do que aquele que recebeu. "Kast representa uma mudança com ordem e nós precisamos mudar; o governo Boric foi muito bom em criar expectativas, mas péssimo em entregas", conta ele, que confessa não gostar do apoio de Kast ao ditador Augusto Pinochet no passado.
Ao lado da estátua do ex-presidente Salvador Allende, que sofreu o golpe de Estado que resultaria na ditadura de Pinochet (1973-1990), o motorista de Antofagasta diz acreditar na moderação de discurso feita por Kast nas eleições deste ano e que as instituições chilenas são fortes o bastante para que o presidente eleito tenha de caminhar para o centro e governar em aliança com a direita tradicional.
"É como Kast disse em seu discurso de vitória no domingo, as pessoas querem viver em paz. Eu me mudei para Santiago depois que meu filho foi assaltado. Isso nos abalou muito e é algo que não acontecia no Chile há alguns anos."
A preocupação de Castro não é isolada. É uma tarefa difícil encontrar um chileno disposto a conversar sobre as eleições sem ouvir alguma menção ao aumento da criminalidade e como tudo piorou no país com a entrada de imigrantes irregularmente. Todos parecem ter uma história pessoal ou conhecer alguém que foi vítima de um crime.
É uma sensação parecida à de visitar a Bolívia antes da vitória de Rodrigo Paz em outubro, quando a falta de combustíveis e aumento de preços dominavam as conversas.
No Chile, Kast soube interpretar essa preocupação com a criminalidade e ofereceu uma combinação de combate duro aos grupos criminosos e rigor com imigrantes sem documentação.
Enquanto os dois antigos rivais conversavam no palácio, um homem era vaiado por apoiadores de Kast. "Apoiador de ditador", ele grita em direção à sede de governo, até ser empurrado pela militância de direita, sob vaias e gritos de "cai fora, seu comunista".
"Não queremos viver com medo. Nem acho que o governo seja tão ruim como algumas pessoas falam. Boric tem a idade do meu filho, é um homem educado e que soube dialogar com outras forças políticas, mas a democracia chilena é uma obra inconclusa, um presidente não pode fazer tudo", diz o professor aposentado Edgar Villanil, 68.
Villanil diz que votou em Franco Parisi no primeiro turno e em Kast no segundo, mas se mostra preocupado com o conservadorismo que o presidente eleito demonstrou ter, em pautas como o casamento igualitário e o aborto.
Após se aproximar do alambrado onde estavam os apoiadores e sorrir para fotos, Kast ressaltou à imprensa que seu governo não será de uma única pessoa ou partido, mas sim um projeto mais amplo, visando alcançar entendimentos sobre questões fundamentais.
O político que conseguiu chegar à Presidência após tentar três vezes enfatizou a importância de um governo de unidade nacional.
Perto dali, um imigrante sem documentos tentava ganhar a vida vendendo pãezinhos de milho.
"Só espero que ele não expulse todo mundo. A maioria de nós é honesta, não se envolve em crimes e só quer ter uma vida melhor", diz o venezuelano A.C., de 33 anos. Ele diz sentir um tratamento frio de parte dos clientes quando percebem seu sotaque e pensa em deixar o país no ano que vem, talvez para o Brasil. "Gosto muito daqui, mas gosto mais de mim. Não vou ficar se eu não me sentir bem-vindo."