SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - No dia seguinte à determinação de Donald Trump para bloquear petroleiros sob sanção ao redor da Venezuela, as Forças Armadas do país sul-americano divulgaram nota em que reafirmam lealdade a Nicolás Maduro e dizem que não se sentem intimidadas diante das ameaças feitas por Washington.

O documento foi assinado pelo ministro da Defesa de Maduro, Vladimir Padrino López, e publicado nas redes sociais nesta quarta-feira (17). Com críticas duras a Trump, o texto reforça o tom de confronto adotado pelo regime.

"As Forças Armadas Nacionais Bolivarianas rejeitam categoricamente as declarações delirantes feitas pelo presidente dos EUA, Donald Trump, nas quais ele ameaçou insolentemente nossa nação com ação armada e ordenou um suposto bloqueio naval total para confiscar navios que transportam petróleo venezuelano -um ato que equivale a pirataria descarada", diz a nota.

Trump afirmou também na véspera, em tom de ameaça e sem muita clareza, que a frota dos EUA enviada ao Caribe "continuará crescendo" até que o regime venezuelano devolva ao país "o petróleo, as terras e outros bens" que, segundo ele, teriam sido roubados.

O americano não apresentou provas de suas acusações, como tem sido praxe durante a crise com a Venezuela. E o comunicado do regime chama de "fantasiosas e incoerentes" as declarações do republicano. As falas expõem, segundo a nota, uma "narrativa inverossímil" de combate ao narcoterrorismo.

Na avaliação dos militares venezuelanos, a ofensiva americana faz parte de um plano mais amplo com o objetivo de forçar uma mudança de regime no país e de se apropriar de seus recursos estratégicos, especialmente o petróleo. O comunicado afirma que essa postura representa um ressurgimento da Doutrina Monroe, interpretada como uma tentativa de impor uma dominação neocolonial dos Estados Unidos sobre a América Latina.

"Nunca antes na história do nosso país um presidente dos EUA nos ameaçou com tanta veemência", afirmam as Forças Armadas em nota, acrescentando que não se deixam "intimidar por ameaças grosseiras e arrogantes" e que a dignidade da Venezuela "não é negociável nem facilmente derrotada".

Os militares de Caracas também acusam Washington de violar princípios fundamentais do direito internacional, incluindo a Carta das Nações Unidas, as normas do comércio internacional e as Convenções de Genebra relativas ao alto-mar. Segundo o texto, o bloqueio aos petroleiros ultrapassa limites e representa uma afronta à soberania dos Estados e à obrigação de resolver disputas por meios pacíficos.

O texto apela às organizações multilaterais para que se posicionem e ajam contra o que descreve como uma atitude belicista que ameaça não apenas a Venezuela, mas a estabilidade de toda a América Latina e do sistema energético global.

Numa tentativa de angariar apoio internacional, Maduro conversou por telefone, nesta quarta, com o secretário-geral da ONU, António Guterres, e denunciou a "escalada de ameaças" por parte de Washington e suas "graves implicações para a ameaça regional".

Segundo a chancelaria venezuelana, o ditador "ressaltou que essas declarações devem ser rechaçadas de forma categórica pelo sistema das Nações Unidas, por constituírem uma ameaça direta à soberania, ao direito internacional e à paz". Guterres não se manifestou publicamente até a última atualização deste texto.

Na prática, o bloqueio anunciado por Trump deve barrar a navegação, para dentro ou fora das águas venezuelanas, de praticamente todos os navios petroleiros que não tenham vínculo com a americana Chevron. Embora o setor petrolífero da Venezuela esteja sob sanções dos EUA, a empresa continua operando no país com autorização de Washington -uma permissão concedida durante o governo Joe Biden para conter os preços da gasolina nos EUA e depois mantida pela gestão Trump.

A imposição do bloqueio ocorreu num contexto já de tensão na América Latina escancarada com a mobilização, sem precedentes, de militares dos EUA na região do Caribe e do Pacífico.

O ditador afirma que Trump busca mudar o regime na Venezuela, mas sustenta que a população e as Forças Armadas barrarão qualquer iniciativa para removê-lo do poder. O dirigente chavista assumiu neste ano um terceiro mandato presidencial, mesmo após organizações internacionais independentes apontarem que a oposição venceu as eleições no ano passado, marcada por amplas denúncias de fraude.

Na véspera, o regime de Maduro já havia classificado o bloqueio de "absolutamente irracional" e "ameaça grotesca". O comunicado divulgado nesta quarta, por sua vez, busca sinalizar coesão na alta cúpula do regime, a despeito da pressão exercida pelos EUA nos últimos meses.

Em um dos momentos mais delicados da crise, o governo Trump apreendeu no mar do Caribe, no último dia 11, o petroleiro "Skinner", cargueiro com bandeira de Guiana que zarpou de porto venezuelano. A justificativa é que o navio tinha como destino o Irã, que também é alvo de sanções dos EUA.

Pelo menos 11 milhões de barris estão parados em navios na costa venezuelana, segundo levantamento da agência de notícias Reuters. O regime, por sua vez, diz que as exportações da commodity têm ocorrido de forma normal.

O principal destino do petróleo venezuelano é a China. Nesta quarta, o ministro das Relações Exteriores chinesas, Wang Yi, manifestou ao seu homólogo venezuelano, Yván Gil, a rejeição de Pequim a "todas as formas de assédio unilateral". Ainda manifestou apoio à "proteção da soberania e da dignidade nacional".