SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - De Donald Trump a Vladimir Putin, líderes de diferentes governos e orientações ideológicas exploram o Natal como ferramenta política e usam a data para projetar valores, reforçar narrativas e atacar adversários. Por vezes, esvaziam o sentido religioso da celebração em favor de estratégias de poder e legitimação.

Com menor atenção da opinião pública a temas políticos e, ao mesmo tempo, por estimular reflexões e apelos simbólicos, o Natal se torna um período oportuno tanto para a adoção de medidas populares quanto impopulares, afirma Natália Fingermann, professora de relações internacionais da ESPM.

Em contextos de conflito, o período natalino costuma ser associado a tentativas de trégua. Ao mesmo tempo, pode servir a movimentos de força. "É no fim do ano que muitos regimes tentam aplicar golpes de Estado. Na Nigéria, por exemplo, houve um golpe militar em 1983 ocorrido em 31 de dezembro", diz Fingermann. A seguir, veja como líderes ao redor do mundo transformam o Natal em ato político.

ESTADOS UNIDOS

O presidente Donald Trump explora até o período natalino como elemento de sua guerra cultural. Em discursos recentes, adotou o bordão "We are saying merry christmas again" ("Nós dizemos feliz natal de novo"), que critica a gestão do antecessor, o democrata Joe Biden, e ao mesmo tempo sugere que há ataques em curso contra os valores cristãos nos Estados Unidos.

Em seu primeiro mandato, Trump afirmou várias vezes que políticos democratas substituíram o cumprimento "Merry Christmas" ("Feliz Natal") por "Happy Holidays" ("Boas Festas"), expressão mais genérica que seria adotada para incluir outras celebrações do período, caso da festa judaica Hanukkah e do Ano-Novo, num país religiosamente diverso. Retomar o "Merry Christmas" seria um esforço para interromper ataques contra as tradições americanas.

Trump tem associado o Natal a uma suposta bonança na economia. Ele já criticou, entretanto, o que seria um excesso de consumo no país. "Você não precisa de 37 bonecas para sua filha. Duas ou três já são suficientes", disse.

E como ação prática, Trump assinou decreto para que o funcionalismo público tenha folga na véspera e no dia seguinte ao Natal, em ato apontado como populista. A medida, incomum, ocorreu após os funcionários federais terem feito uma paralisação recorde de 43 dias, que terminou no mês passado.

RÚSSIA

O país celebra o Natal em 7 de janeiro, de acordo com tradição da Igreja Ortodoxa, predominante no país. O 25 de dezembro é uma data comum do calendário civil russo, não há celebrações religiosas públicas robustas.

O presidente Vladimir Putin explora essa diferença nos calendários de Rússia e Ocidente. Nos discursos de Natal, costuma reforçar a imagem de guardião de "valores tradicionais" russos ?família, fé e patriotismo? em oposição ao que descreve como decadência moral das sociedades ocidentais.

Desde a invasão da Ucrânia, o Kremlin passou a associar o Natal também ao sacrifício, sofrimento e atos propagandeados como heroicos do povo russo. Em 7 de janeiro deste ano, Putin pediu ao patriarca Cirilo, o líder máximo da Igreja Ortodoxa, para abençoar cruzes que seriam enviadas aos comandantes no front.

UCRÂNIA

Se a Rússia celebra o Natal em 7 de janeiro, a Ucrânia abandonou essa tradição e passou, em 2023, a comemorar a data em 25 de dezembro, após 106 anos. A mudança, formalizada durante a guerra, tem o objetivo de afastar o país da influência de Moscou e de aproximá-lo dos costumes do Ocidente.

O presidente Volodimir Zelenski e autoridades ucranianas afirmam que a medida é parte de uma "descolonização cultural" do país e da construção de uma identidade nacional própria.

Neste ano, com negociações pela paz mais avançadas, Zelenski ainda propôs uma "trégua de Natal" no 25 de dezembro. Mas, segundo ele, o líder russo rejeitou a proposta.

Com menos apoio financeiro dos EUA de Donald Trump, a Ucrânia dá sinais de desgates na guerra e, nos últimos meses, tem perdido território para as forças russas.

VENEZUELA

Desgastado após a eleição de 2024 apontada como fraudulenta, em que foi declarado vencedor para um terceiro mandato, o ditador Nicolás Maduro antecipou nos últimos anos, por decreto, o início do Natal para outubro, numa iniciativa propagandeada como melhoria do bem-estar da população.

Neste ano, num contexto de tensão militar com os EUA, Maduro justificou a medida como forma de "defender o direito à felicidade, à alegria e à vida".

"Nada nem ninguém neste mundo nos tirará o direito à felicidade", disse, em setembro.

Na prática, a mudança permite a ativação, com antecedência, de programas assistenciais que incluem a distribuição de cestas básicas, além da promoção de eventos festivos patrocinados pelo Estado, associando a celebração natalina ao chavismo. Apesar da antecipação simbólica, o Natal na Venezuela não ocorre de forma oficial em outubro: a data continua sendo celebrada em 25 de dezembro.

Em pronunciamentos natalinos, Maduro explora a retórica revolucionária. No ano passado, após a controversa eleição presidencial, o ditador vinculou a mudança da data a uma celebração do "povo combativo" e à continuidade da "revolução bolivariana" a despeito do que chamou de "ataques fascistas".

IRÃ

Mesmo líderes em países em que a população não é predominantemente católica exploram o Natal de forma política. No Irã, autoridades apresentam a data como suposta evidência de tolerância religiosa.

Em dezembro de 2024, por exemplo, o então vice-presidente para assuntos estratégicos, Mohammad Javad Zarif, visitou uma igreja em Teerã e transmitiu mensagens de respeito inter-religioso.

Grupos de direitos humanos e relatórios internacionais, porém, apontam que a liberdade religiosa no país é restrita e que há perseguição contra minorias e contra potenciais dissidentes.

ISRAEL

Em Israel, o Natal nunca foi uma data central no calendário, dominado por festas judaicas como o Hanukkah, mas, nos últimos anos, a celebração também passou a ser explorada de forma política e diplomática.

O premiê Binyamin Netanyahu e seus ministros utilizam a data para reforçar a narrativa de Israel como democracia que protege minorias religiosas no Oriente Médio.

Em pronunciamentos natalinos, não raro em inglês, o premiê costuma enviar mensagens às comunidades cristãs destacando a liberdade de culto em seu país, em contraste com países vizinhos e com a situação dos cristãos em países islâmicos e em que há atuação de grupos radicais.

No plano interno, líderes israelenses destacam que as celebrações cristãs ocorrem sob proteção das forças de segurança. Ao mesmo tempo, essas mensagens não citam as restrições enfrentadas por palestinos cristãos da Cisjordânia e da Faixa de Gaza para acessar Jerusalém durante as festas.

CHINA

O Natal não é um feriado público na China continental, onde o budismo e o taoísmo são as maiores religiões. Em paralelo, Pequim não proíbe o cristianismo ou o culto cristão, mas lideranças do Partido Comunista Chinês manifestam preocupação com o que chamam de "influências externas".

Wang Huning, integrante do Politburo chinês, disse a grupos cristãos, em 2023, que "aderissem à sinicização" do cristianismo. "[Nós precisamos] interpretar as doutrinas e regras em linha com as exigências do desenvolvimento e progresso contemporâneos da China, dos valores centrais do socialismo e das excelentes tradições e cultura chinesas", disse ele, segundo a agência de notícias oficial Xinhua.

Em documentos, o Partido Comunista reforça que a disseminação de costumes ocidentais, incluindo o Natal, pode representar uma forma de "infiltração cultural" em detrimento de celebrações tradicionais do país, caso do Ano Novo Lunar.