SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Haiti vive hoje uma de suas piores crises de segurança, marcada pela expansão da violência e pela incapacidade do Estado de retomar o controle territorial ?um conflito alimentado pela entrada constante de armas de fogo no país. Embora a nação não fabrique armamento nem munição, estima-se que de 270 mil a 500 mil armamentos ilegais circulem em seu território, segundo dados da ONU.

A violência armada se prolifera apesar do embargo imposto em 2022 e renovado em 17 de outubro de 2025 pelo Conselho de Segurança, que proíbe o fornecimento, venda ou transferência de armamentos e assistência militar a indivíduos ou grupos envolvidos na violência.

Mesmo assim, as armas continuam entrando por portos, aeroportos e pela fronteira com a República Dominicana ?além do desvio de armamento originalmente destinado às forças de segurança haitianas. A fiscalização frágil e os altos níveis de corrupção agravam o cenário.

O porte de armas, mais permissivo do que no Brasil, somado ao colapso da segurança pública, levou inclusive setores da população civil a se armarem. Além disso, há a presença de seguranças privados e milícias contratadas para a proteção dos mais ricos.

A polícia haitiana afirma que gangues e facções já controlam cerca de 90% da capital, Porto Príncipe, impondo bloqueios, cobrando pedágios ilegais e desafiando abertamente as autoridades.

Jimmy "Barbecue" Cherizier, da coalizão de gangues Viv Ansanm, enviou uma mensagem às autoridades após sobreviver a um ataque com drone em março: "Tenham cuidado. Eu posso comprar o que vocês compram".

As armas chegam ao país escondidas em cargas mistas, frequentemente declaradas como produtos humanitários ou comerciais. Uma rede bem estabelecida conecta portos dos EUA ?especialmente Miami e Nova York? ao Haiti, muitas vezes passando por território dominicano. Em fevereiro de 2025, uma remessa interceptada na fronteira incluía rifles de precisão, uma submetralhadora Uzi e mais de 36 mil munições.

O jornal Financial Times apurou que muitas dessas armas são facilmente compradas na Flórida ?onde as leis estaduais permitem adquirir grandes quantidades de armas e munição sem barreiras significativas? e enviadas ao Haiti por empresas de navegação com baixa supervisão.

No primeiro semestre de 2022, autoridades do porto de Haina Occidental, na República Dominicana, apreenderam mais de 112 mil unidades de armas e munições, quase todas enviadas de Miami, segundo relatório da ONU.

Levantamentos da plataforma CargoFax mostram ainda que, de julho de 2020 a março de 2023, ao menos 34 carregamentos partiram de portos dos EUA com destino a haitianos que hoje estão na lista de sanções americana.

O país, devido ao seu relativo isolamento internacional, havia permanecido historicamente à margem das redes globais de tráfico de drogas e armas, afirma o professor Omar Thomaz, da Unicamp.

Esse cenário mudou com a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah), liderada pelo Brasil, que inseriu o Haiti na rede internacional de tráfico de armamentos ?alterando de forma permanente a configuração da violência no país, acrescenta.