SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Três anos, nove meses e 13 dias depois de uma explosão transformá-lo em um símbolo da brutalidade da Guerra da Ucrânia, o Teatro Regional de Drama de Donetsk foi reaberto neste domingo (28) com uma cerimônia com artistas de Mariupol, cidade ocupada pelos russos no começo da invasão de 2022.
"O teatro reabriu suas portas aos espectadores", disse o governador indicado por Vladimir Putin para a região, Denis Puchilin, em uma nota. A reabertura estava marcada para a quarta passada (24), mas foi adiada sem explicações.
O evento provocou críticas em Kiev, mas também estanhamento entre moradores de Mariupol. "É esquisito ter uma festa num local onde morreram tantas pessoas", afirmou por meio de aplicativo de mensagens à reportagem Pavel, um russo de Rostov-no-Don que mudou para a cidade no começo de 2024.
Em 16 de março de 2022, três semanas após o início do conflito, o teatro foi destruído naquilo que é amplmente descrito como um ataque aéreo russo. Moscou sustenta que a explosão foi responsabilidade de integrantes do Batalhão Azov, unidade associada ao neonazismo que defendia a cidade.
Antes de ser bombardeado, moradores haviam escrito no chão à frente do prédio a palavra crianças, para indicar que ele era usado como refúgio. As contas nunca serão conhecidas, mas entidades de direitos humanos falam em até 600 mortos.
O cerco à cidade, que durou 82 dias, foi um dos mais dramáticos da guerra ?o assalto inicial é retratado no oscarizado documentário "20 Dias em Mariupol".
A cidade segue sendo o principal troféu da fracassada tentativa de Putin de conquistar a Ucrânia rapidamente, e virou a vitrine da reconstrução que consome cerca de R$ 60 bilhões anuais dos cofres de Moscou nas áreas ocupadas no vizinho.
Quando esteve lá no fim de 2024, a Folha de S.Paulo viu trabalhos extensos de reforma de prédios e novos bairros surgindo das ruínas: 80% do município, que tinha 500 mil habitantes e agora tem cerca de 300 mil, foi ou destruído ou danificado pelos combates.
O custo humano do cerco foi enorme. Russos falam em 3.000 civis mortos, enquanto ucranianos citam até 25 mil. A ONG Human Rights Watch estima de cerca de 8.000 vítimas.
O governo em Kiev considera o trabalho uma farsa para desviar a atenção de problemas crônicos das regiões anexadas ilegalmente por Moscou, como a falta d'água na capital homônima da região de Donetsk, em mãos de separatistas russos desde a guerra civil de 2014.
A reconstrução do teatro manteve sua fachada e características principais, como a escadaria de mármore e um candelabro de cristal de 2,5 toneladas no hall central.
O trabalho foi feito com a ajuda do governo de São Petersburgo, que pagou pelo projeto e enviou arquitetos e engenheiros. Segundo a mídia russa, a obra custou o equivalente a R$ 935 milhões.
Não há expectativa realista de que Mariupol volte ao controle ucraniano nas negociações de paz comandadas pelo presidente Donald Trump. Ela é estratégica, sendo ponto de ligação entre a Rússia e a Crimeia anexada também em 2014, quando Putin reagiu à derrubada do governo pró-Kremlin em Kiev.
A composição de sua população é muito diferente também, embora não haja estatísticas confiáveis. Há moradores antigos, mas muita gente foi embora e outros chegaram, vindos da Rússia e de outros pontos ocupados da Ucrânia atrás da prosperidade relativa oferecida pelo "boom" da construção civil na cidade.
Com o teatro reconstruído, Mariupol agora discute o que fazer com o esqueleto da gigantesca siderúrgica de Azovstal, uma das maiores da Europa, que serviu de refúgio final para os últimos defensores da cidade no cerco.
Ela ocupa quase 10% da cidade, área equivalente a São Caetano do Sul (SP), e está coalhada de explosivos usados pelos dois lados.
Hoje, é impossível andar livremente por ela sem correr riscos, e a prefeitura debate se criará um parque ou simplesmente demolirá o local ?onde trabalhavam em moravam cerca de 10 mil pessoas.