O adiamento do pagamento integral da fatura do cartão de crédito leva à multiplicação da dívida, que pode sair do controle do consumidor. Quem não tem dinheiro para pagar o valor total da fatura, terá a dívida corrigida por taxas anuais de juros superiores a 300% – podendo chegar 875%, segundo a Agência Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste).

Em outros países, a taxa do rotativo do cartão (crédito tomado pelo consumidor quando paga menos que o valor integra) é de apenas 3%. “Essa diferença é o que vemos se compararmos os juros no Brasil com os cobrados pelo mesmo serviço em países europeus e nos Estados Unidos”, argumenta o diretor de estudos e pesquisas econômicas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel José Ribeiro de Oliveira.

A maior parte das dívidas no Brasil têm uma mesma origem, que é exatamente o meio que cobra as maiores taxas de juros de todo o mercado: os cartões de crédito.

“O cartão é o meio de pagamento que cobra a maior taxa de juros e é a causa número um do endividamento do brasileiro”, afirma o pesquisador da Proteste e especialista de crédito Rodrigo Alexandre.

Juros rotativo e parcelado

Muito do escalonamento que faz a dívida no cartão se transformar em uma bola de neve são os chamados juros compostos – uma fórmula de cálculo que aplica “juro sobre juros”. O valor cobrado vai aumentando cada vez mais porque juros são aplicados seguidamente em cima de um valor que já estava atualizado e corrigido. “Acontece quando deixamos de pagar a dívida contraída via cartão de crédito”, resume o diretor da Anefac, Miguel José Ribeiro de Oliveira.

Juros compostos são usados em todo o mundo, pondera Oliveira. “O problema é que, como os juros no Brasil são muito altos, essa composição dá uma diferença enorme, na comparação com esses países onde a taxa de juros é de cerca de 3% ao ano”, acrescenta.

“Quando cobrados a partir de faixas mais baixas, os juros compostos têm pouco efeito. O problema é que, no Brasil, onde as faixas são muito mais altas, o resultado final acaba sendo de taxas anuais que podem passar de 300%, e a diferença acaba ficando efetivamente muito grande ao final”, complementa o diretor.

Segundo Oliveira, os juros rotativos médios, no Brasil, estão atualmente na faixa de 12,5% ao mês, o que significa um total de 329,3% ao ano. Em termos práticos, isso significa que, em 30 dias, uma dívida de R$ 1 mil se transforma em R$ 1.125,20.

Em um ano, esse valor aumentaria 329,3%, chegando a quase R$ 4.300. Um levantamento da proteste mostra que os juros cobrados pelos cartões podem chegar a 875,25% ao ano – o que transformaria a dívida de R$ 1 mil em quase R$ 10 mil no acumulado de 12 meses.

“A mesma dívida [de R$ 1 mil], sendo parcelada em 12 meses com taxa de juros média de 8,34% ao mês [taxa média dos juros parcelados, segundo o Banco Central], corresponde a 161,5% ao ano. Nesse caso, o consumidor pagaria 12 parcelas mensais fixas de R$ 235,04, o que totaliza um valor final de R$ 1.620,48”, complementa o diretor da Anefac.

No site do Banco Central, é possível conferir ranking de taxas de juros cobradas por instituições financeiras.

Crédito pessoal ou consignado

“Podendo trocar a dívida contraída no cartão por qualquer financiamento a custos mais baixos, troque. Crédito pessoal tem taxas mais baixas, mas o melhor seria fazer um empréstimo consignado, caso tenha condições. São eles os que têm custo efetivo mais baixo, com a menor taxa do mercado. Faça, o quanto antes, um empréstimo no consignado para quitar a dívida no cartão ou no cheque especial”, sugere o pesquisador da Proteste.

Inicialmente os empréstimos consignados eram oferecidos exclusivamente a servidores públicos e aposentados. No entanto, tem sido comum empresas privadas fazerem convênio com bancos para que o disponibilizem também a empregados da iniciativa privada. “É, inclusive, algo interessante de ser colocado nas mesas de negociação entre empresas e empregados porque possibilita, aos funcionários, obter empréstimos a juros menores”, observa Rodrigo Alexandre.

“Mas, para isso, é fundamental comparar com o que é oferecido no mercado”, pondera. O primeiro passo para trocar para uma dívida com taxas mais baixas é o de fazer um levantamento para identificar quanto é devido e qual é o CET [Custo Efetivo Total] da dívida, para ao compará-lo com o oferecido por outras instituições financeiras, de forma a buscar o de menor percentual”, explica Rodrigo Alexandre, da Proteste.

Custo Efetivo Total

O CET não é apenas taxa de juros, mas o percentual total que é aplicado para atualizar uma dívida, englobando todos os custos do financiamento. Nele incidem elementos como tarifas, impostos e serviços, além da taxa de juros. Ele é a principal referência para que o indivíduo possa se situar com relação ao que terá de pagar a mais, em decorrência da dívida.

O Banco Central determina que essa informação seja disponibilizada de forma clara e acessível nas simulações e nos contratos. “É este o percentual que aponta quem cobra taxas mais baratas, mas infelizmente é uma obrigação que nem todas instituições cumprem, por falta de uma fiscalização mais efetiva do BC”, alerta o advogado e pesquisador da Proteste.

O CET mais caro, como já foi informado, é o cobrado pelas empresas de cartão de crédito. De acordo com a Proteste, em segundo lugar está o cobrado por bancos tradicionais. “E em terceiro lugar vêm surgindo as Fintechs, que são startups que cuidam da parte financeira, como os bancos digitais”, complementa Rodrigo Alexandre.

Anuidade

Outro ponto que a Proteste chama atenção são as ofertas de anuidade gratuita para cartões de crédito, o que nem sempre é verdadeiro porque muitas vezes é uma vantagem que é ofertada apenas por um período limitado.

É comum, nesses casos, a cobrança de tarifas bastante altas depois do período de promoção. O levantamento da Proteste identificou tarifas de R$ 190 até R$ 624 para cartões básicos, e de mais de R$ 1 mil no caso de cartões diferenciados, com programas de recompensas e benefícios como seguro viagem, descontos e ingressos.

Há, no entanto, alguns bancos que não cobram essa taxa, mas condicionam isso a uma movimentação mínima mensal, o que possibilita à operadora do cartão compensar os ganhos por meio das tarifas que são pagas pelas lojas. “De qualquer forma, como hoje a concorrência é maior, há vários bancos – em especial os digitais – oferecendo cartão de crédito sem anuidade. Mas é importante que o consumidor fique atento para saber o que, de fato, está pagando”, informa Miguel Oliveira, da Anefac.

“Sempre consideramos como a melhor opção, o produto livre de anuidade", complementa Rodrigo Alexandre.

A quem recorrer?

Queixas com relação a taxas ou tarifas cobradas indevidamente por instituições financeiras, ou mesmo relacionadas à falta de clareza para as informações que obrigatoriamente devem ser apresentadas de forma clara e acessível, podem ser apresentadas primeiramente junto ao Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) da própria instituição, a quem cabe dar uma primeira satisfação.

“Caso a resposta não seja satisfatória, o cliente pode acionar tanto o Procon como o Banco Central. Acredito que o Procon é um processo muito mais rápido, mas pode fazer a reclamação também junto ao BC, que tem ferramenta para isso”, informa o diretor da Anefac.

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