BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) - Em 14 de agosto de 1822, há 200 anos, o então príncipe regente Pedro saía do Rio de Janeiro pela Real Estrada de Santa Cruz a caminho de uma conturbada São Paulo.

Feita a cavalo em alguns trechos e em mula em outros, ao longo de 12 dias, a viagem tinha como objetivo consolidar o apoio da província aos planos do monarca para o Brasil, cuja independência se tornava cada vez mais iminente.

A viagem ocorreu depois de uma bem-sucedida passagem dele por Minas Gerais, que garantiu ao príncipe o abastecimento e o envio de tropas ao Rio de Janeiro em caso de guerra, e após a convocação de uma Assembleia Constituinte no território. Em 3 de junho de 1822, o regente havia acolhido demandas de diversos setores da sociedade e dado o primeiro passo para efetivar uma Constituição brasileira.

"Essa convocação marca, em certa medida, a separação de Portugal. Com uma Assembleia Constituinte com sede no Rio, não seria mais preciso se reportar às cortes de Lisboa", explica Cecilia Helena de Salles Oliveira, professora do Museu do Ipiranga e autora do livro "Ideias em Confronto".

Entretanto, o projeto de uma monarquia constitucional brasileira não era o único à época. Alguns comerciantes e proprietários rurais de São Paulo, por exemplo, eram mais ligados à proposta das cortes portuguesas, que lhes trariam mais oportunidades nos negócios.

Como lembra a historiadora Isabel Lustosa, outros conflitos agitavam a província. Um deles oporia Francisco Ignácio de Souza Queiroz e João Carlos Oeynhausen Grevembourg, que presidiam a junta do então governo paulista, aos irmãos Martim Francisco e José Bonifácio Andrada e Silva, este último ministro de dom Pedro.

Logo, a ida a São Paulo se fazia necessária, entre outros fatores, para apaziguar os ânimos das elites e garantir o abastecimento do Rio de Janeiro.

"Minas Gerais e São Paulo eram celeiros do Rio", conta Salles Oliveira. "Eram províncias que produziam não apenas gêneros de exportação, como açúcar e café, mas tinham criação de gado e produção de outros alimentos. Além de tudo, tinham populações civis armadas, que eram tropas auxiliares fundamentais."

Com esse objetivo em mente, o príncipe e uma comitiva de cinco pessoas desceram rumo ao sul do Rio, seguindo uma trajetória com paradas estrategicamente planejadas.

A primeira delas foi na Real Fazenda de Santa Cruz, nos arredores da cidade, onde eles realizaram os últimos preparativos para a viagem. Esse trajeto foi descrito na tese "De Alteza Real a Imperador: O Governo do Príncipe D. Pedro, de Abril de 1821 a Outubro de 1822", defendida por Vera Lúcia Nagib Bittencourt na USP.

De acordo com a pesquisadora, uma das mais importantes paradas aconteceu no dia seguinte, 15 de agosto, quando o regente obteve o apoio de Hilário Gomes Nogueira, grande cafeicultor do Vale do Paraíba.

"Ninguém tira de dom Pedro o carisma e a boa maneira de lidar com as pessoas", diz Salles Oliveira. No caminho, diz ela, o monarca fez diversas promessas para conquistar apoiadores --algumas ele não cumpriu, como a adesão à Constituição.

A comitiva do príncipe crescia a cada parada, alcançando cerca de 30 membros. Passaram por Lorena (onde lhes foram oferecidas "ótimas cavalgaduras", segundo Bittencourt), Guaratinguetá, Pindamonhangaba, Taubaté, Jacareí e Mogi das Cruzes.

O grupo chegou à cidade de São Paulo no dia 25 de agosto, quando, pela primeira vez, Pedro se referiu a si mesmo como chefe do Poder Executivo.

Na cidade, em algum momento entre os dias 29 e 30 de agosto, ele se encontrou com sua principal amante, Domitila de Castro Canto e Melo, a futura marquesa de Santos. Não se sabe se o encontro foi fruto do acaso ou organizado pelo irmão dela, o ajudante de ordens Canto e Melo, que estava na comitiva.

Fato é que, em 5 de setembro, Pedro deixou São Paulo para uma visita a Santos a fim de assegurar o controle de uma tropa e encontrar a família de José Bonifácio. Retornou no dia 7, data que seria eternizada como a Independência do Brasil.

"Foi no meio dessa viagem que ele se confrontou com notícias relacionadas às políticas portuguesas contra o Brasil, num processo de crise que já vinha desde antes do Dia do Fico", diz Isabel Lustosa, autora de um livro sobre o imperador.

A historiadora trata esse episódio da proclamação da Independência no Ipiranga como um fato praticamente fortuito, ocasionado pela chegada às mãos do regente de cartas de Leopoldina --sua esposa-- e Bonifácio com registros muito preocupantes vindos de Lisboa.

Salles Oliveira, por sua vez, avalia que esse momento também foi resultado de articulações econômicas e políticas feitas nos dias anteriores.

Além disso, ela tem dúvidas se a independência foi mesmo verbalizada naquela ocasião --a versão de que Pedro anunciou "independência ou morte" no dia 7 está no relato do ajudante de ordens Canto e Melo, publicado 42 anos depois. Afinal, como lembra a professora, o monarca fez um discurso para o povo paulistano no dia 8 sem qualquer referência à proclamação do dia anterior.

Nesse dia 8, Pedro anunciou: "A divisa do Brasil deve ser independência ou morte!". E finalizou: "Acautelai-vos dos facciosos sectários das cortes de Lisboa; e contai em toda a ocasião com o vosso Defensor Perpétuo".

O monarca deixou São Paulo na madrugada do dia 9 rumo ao Rio. Em 1º de dezembro, menos de três meses depois, foi coroado imperador do Brasil.


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