SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Sanches Filho tinha dois bordões que dizia tantas vezes que possivelmente nem percebia quando saíam de sua boca.

Quando queria discordar de uma opinião que ouviu ou completá-la, soltava "é o tal negócio...". Se era ele quem daria a explicação ou contaria algo, iniciava com "acontece o seguinte."

Ele os usava com a constância de um personagem do Zorra Total porque seu arsenal de histórias parecia infinito. Para toda e qualquer situação que acontecia no futebol, havia algo do passado que poderia relembrar para mostrar que o próprio tempo é um círculo, como escreveu Nietzche.

Por mais de uma década, Francisco Mucille Sanches Filho foi o oráculo dos jornalistas que cobriam o dia a dia do Santos Futebol Clube. Ele trabalhava na época para o hoje extinto Jornal da Tarde e para O Estado de S. Paulo. Era o mais experiente, o mais vivido e o capaz de arrancar as melhores informações dos jogadores. Não durante as entrevistas, repetitivas e monótonas, mas nas conversas informais que as sucediam.

Também era o mais divertido. Não apenas pelas suas recordações ou pelo jeito de contá-las. Havia a maneira que digitava seus textos, com espancamentos implacáveis nos teclados dos computadores, surras que ecoavam pelo bairro do Jabaquara, em Santos. Os outros repórteres riam e ele, tal qual acontecia com seus bordões, não notava. Ou se percebia, não ligava. E se algo o incomodasse, era pior. Sua capacidade de respostas com ironia fina se tornou lendária.

"Você não gostou da resposta? É fácil resolver. Da próxima vez não pergunte", disse, sem cerimônia para outro jornalista que se queixou da frase dita por um jogador.

Mas era ao mesmo tempo, mais sagaz que os outros. Quando o meia Rodrigo Tabata jurou que não deixaria o Santos, em 2008, todos os repórteres reproduziram as juras de amor do atleta ao time. Sanches, não. Ao contrário, disse que ele sairia do clube. Não pelo que havia dito, mas pela sua expressão ao falar aquilo. Meses depois, Tabata foi para o futebol turco.

Cobrir o Santos foi o último trecho da carreira do jornalista nascido na capital paulista em 1947. A partir da década de 1960, começou a trabalhar nos principais jornais da cidade. Foram tantos que a memória falhava na hora de citar todos.

Uma das histórias que mais o orgulhava foi ter conseguido visitar Lourenço Diaféria, então colunista da Folha, preso pela ditadura militar em 1977 por causa de uma crônica publicada no jornal. Seu relato do que viu na prisão e da conversa com o articulista foi publicada na edição seguinte.

Falava de momentos impublicáveis que viveu em diários que não existem mais há anos, como o Popular da Tarde. Lembrava que a editoria de Esporte do Diário Popular tinha um garrafão de cachaça, usado pelos repórteres a qualquer dia e horário.

Chegou a ser sondado, na primeira metade deste século, para ser assessor de imprensa do Santos, mas recusou a oferta. Respondeu que seu único lugar possível era do lado da reportagem.

Seu estilo inquieto, curioso e desconfiado o fez acumular amigos na imprensa e no mundo do futebol. Um deles, Emerson Leão, brincava com a baixa estatura de Sanches (media pouco mais de 1,60 m) e apenas o chamava de "gigante". Era carinhoso e quem já trabalhou próximo ao ex-goleiro e técnico sabe ser algo raro.

Vários outros repórteres mais jovens, que dividiam com ele coberturas de partidas e treinos, chamavam-no apenas de mestre.

Sanches Filho morreu de enfarto em sua casa, em Santos, neste domingo (14), aos 75 anos. Ele deixa a mulher Célia e os filhos Rubem e Vanessa.


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