SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Mercadores da dúvida e do negacionismo se valem do sentimento de culpa que recai sobre as mães nas sociedades patriarcais para alavancar pautas antivacina.

A afirmação foi feita por Natalia Pasternak, uma das principais divulgadoras científicas do país e presidente do Instituto Questão de Ciência, durante a primeira palestra do ciclo Fronteiras do Pensamento nesta segunda, em São Paulo.

O argumento se baseia numa pesquisa recente que identificou os principais perfis que fazem panfletagem contra vacinação em redes sociais --e percebeu que muito desse conteúdo é dirigido a mulheres.

Os negacionistas, diz a microbiologista gaúcha, recorrem a emoções que turvam a boa análise de risco e exploram o fato de que costumam ser elas as responsáveis a saúde de seus filhos.

Vacinar é uma decisão ativa, explica ela, e a inação é sempre uma escolha mais fácil porque exime a pessoa de responsabilidade sobre seu ato, independentemente das evidências.

"Esses mercadores vendem uma falsa certeza de que a vacina traz perigos, que se você tiver uma vida saudável não precisa se preocupar. E, se der algo errado, é apenas a ordem natural das coisas. Assim você me exime da culpa."

A pesquisa citada por Pasternak encontrou 12 perfis de mídia social que geram 65% do conteúdo antivacina no Facebook e no Twitter. "Não se engane, desinformação mata, mas também dá lucro."

Certezas são reconfortantes, como o exemplo demonstra, e o debate de Pasternak com o professor Stuart Firestein, da Universidade Columbia, girou em torno de como a ciência é impregnada pela dúvida e pela ignorância --e não pode deixar de ser.

"O conhecimento serve só para produzir ignorância de mais qualidade, ou seja, sofisticar as perguntas que são feitas", disse Firestein, que tem livros e cursos seminais sobre a importância da incerteza no processo científico.

O professor ilustrou sua defesa fervorosa do fracasso com citações como a de Marie Curie que afirmou celebremente que o cientista não consegue ver aquilo que está feito, apenas o que está por fazer.

"Galileu estava errado sobre a maneira como a Terra gira em torno do Sol. Kepler chegou mais perto da verdade alguns anos depois. Mas Galileu estava menos errado que Ptolomeu, que defendia que o Sol girava em torno da Terra."

A falha precisa ser entendida como algo essencial no progresso científico, não como algo que devemos lamentar, disse Firestein. E Pasternak apontou a importância de aproximar a sociedade dos cientistas pra que aprendam com mais naturalidade sobre esse processo e consigam acessar seus resultados, tornando-se menos vulneráveis aos mercadores do negacionismo.

O ciclo Fronteiras do Pensamento segue com uma programação online e presencial --em São Paulo e Porto Alegre-- até dezembro, com nomes como Élisabeth Roudinesco, Luc Ferry, Steven Johnson e Marcelo Gleiser.


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