SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O grupo de WhatsApp montado por moradores do centro de São Paulo pipoca de mensagens quando chega a noite. São pessoas que perguntam a localização atual do fluxo -como é chamada a concentração de dependentes químicos, além de relatos de barulho, brigas e venda e consumo de drogas na porta de seus imóveis.
Elas tentam contornar os problemas trazidos pela movimentação da cracolândia pela região, com ligações em massa para o 190 (da Polícia Militar), ou para o 156 (central da prefeitura). No entanto, quando suas solicitações são aceitas e equipes vão até os endereços, os usuários segue para outro local, recomeçando todo o processo.
Diante de tantas queixas, a Folha acompanhou uma noite e o início da madrugada na região.
Na quarta-feira (18), uma boa parte dos usuários estava concentrada na rua Helvétia, entre a avenida São João e a alameda Barão de Campinas. É nesse ponto que as autoridades tentam manter o fluxo desde maio, quando ele foi expulsos da praça Princesa Isabel.
O grupo ocupa o lado direito da via, com cones os separando do trânsito de veículos. O barulho vindo das caixas de som e das conversas entre eles é alto. Mesmo em meio à escuridão, as chamas promovidas por isqueiros deixam visíveis quem são os usuários de crack.
Moradora de um conjunto de apartamentos com a fachada voltada para a rua Helvétia, uma aposentada de 60 anos, que pediu anonimato, diz que o barulho tem sido constante. Como forma de reduzir o incômodo, ela conta que, durante o dia, ouve música em sua casa. Já à noite, dorme em outro quarto do imóvel.
Também morador da região, o analista de relações internacionais Irwin Henry disse que passou a tomar remédios depois que teve seu celular, mochila e livros roubados por uma dupla que portava uma faca no cruzamento das avenidas São João e Duque de Caxias.
"Depois de assaltado, comecei o tratamento, porque fiquei muito tempo passando mal quando passava pela São João ou alguma situação que me fazia lembrar. O médico falou que era pânico, e me receitou remédio", relatou.
Poucos metros adiante, uma outra grande concentração pode ser vista na avenida Duque de Caxias. Ali, entre a avenida Rio Branco e rua dos Andradas, usuários de drogas consomem crack. Os grupos ocupam o canteiro central da via e a calçada do lado direito, formando um corredor entre os automóveis.
Às 23h30, duas equipes da GCM (Guarda Civil Metropolitana) chegam e dispersam os dependentes químicos --sem uso de munição ou bombas. Os usuários de drogas seguem para a alameda Barão de Piracicaba, uma das travessas da Duque de Caxias, e para as proximidades da praça Princesa Isabel.
É na Barão de Piracicaba, que é rodeada de edifícios residenciais, que moram grande parte das pessoas que reclamam do barulho na madrugada. Vídeos gravados por moradores da região mostram diversos casos do tipo.
"Moro nos andares mais baixos e o barulho é insuportável, dia e noite. Dia e noite são gritos, caixa de som, discussões, briga o tempo inteiro. Um inferno", disse a analista de sistema Maira Gomes, 32.
O sono da família está cada vez mais difícil, conta ela. "Nem com uso de medicamento é possível descansar. Não durmo direito. Meu filho acorda com o barulho muitas vezes", acrescentou.
Cerca de uma hora após acabar com a aglomeração na Duque de Caxias, as equipes da GCM chegam à alameda Barão de Piracicaba, que, por volta da 1h, estava tomada por usuários e moradores de rua.
Com a chegada da guarda, novamente o fluxo se dispersa, dessa vez em direção à rua General Rondon, uma pequena via que liga a alameda Barão de Limeira à praça Princesa Isabel.
Do alto, é possível ver a movimentação. Durante uma hora em que os usuários permaneceram no cruzamento com a rua Conselheiro Nébias, houve venda e uso de drogas, briga com socos, gritos, som música alta das caixas de som, e latidos dos cães que seguem seus donos a cada dispersão do fluxo.
Morador do local, um desenvolvedor de sistemas de 35 anos que pediu para não ser identificado, contou que toma comprimidos para conseguir dormir. Mesmo assim, disse que só dorme quatro horas por noite.
Cansado da situação, quem vive na região tem buscado alternativas para afugentar os usuários de drogas, como a contratação de vigilância privada, o que já é feito por alguns prédios e imóveis comerciais, caso de estabelecimentos na avenida Duque de Caxias.
A reportagem procurou as assessorias do governador Rodrigo Garcia (PSDB) e do prefeito Ricardo Nunes (MDB). A única pessoa que se dispôs a conversar com a Folha foi o delegado Roberto Monteiro, da 1ª Delegacia Seccional Centro, responsável pela Operação Caronte, que visa prender traficantes na cracolândia.
Ele disse que, com a dispersão do fluxo da praça Princesa Isabel, a formação de pequenos núcleos já era esperada, mas que nem de longe lembra o visto no local e no entorno da praça Júlio Prestes. Afirmou ainda que a situação é monitorada 24 horas por dia e que prevê melhoras graduais em breve.
Em nota, a Polícia Militar informou que a perturbação do sossego e o porte de drogas são consideradas infrações penais de menor potencial ofensivo, com os autores liberados imediatamente assim que assinam o termo de ocorrência.
Em outro trecho, a PM disse que, de janeiro até agora foram efetuadas 400 prisões em flagrante e mais de 150 recapturas de criminosos foragidos na região.
A prefeitura diz que a GCM realiza policiamento comunitário e preventivo na região da Nova Luz, 24 horas por dia.
"O encaminhamento para equipamentos da rede socioassistencial cresceu em 8,2%, passando de 789 pessoas em janeiro para 854 em julho. De junho a julho, o aumento foi de 27,3%, de 671 em junho para 854 em julho", cita a nota encaminhada.
Além da presença constante de grupos de usuários de drogas e barulho, a região da cracolândia também sofre com o fechamento de comércios. Não é difícil encontrar pelas ruas placas anunciando a venda ou aluguel de imóveis.
Fundado há 137 anos, o Liceu Coração de Jesus anunciou que vai encerrar as atividades. Instalado nas proximidades da cracolândia, o colégio sofre há décadas com a falta de segurança, que tem levado à perda de alunos.
O fechamento é motivo de tristeza para a aposentada Rosa Almeida, 81, que cresceu na região. "Parte da minha vida foi lá no Campos Elíseos. Me lembro dos palacetes que tinha no bairro. Os meus pais tinham comércio lá. Tenho um imóvel e, por causa da cracolândia, está fechado, por não ter segurança nenhuma para reabrir na Duque de Caxias", relatou.
Quem também sofre é a rede hoteleira da região. Segundo o SindHotéis (Sindicato de Hotéis de São Paulo e Região) houve recuo de 60% na quantidade de hóspedes após a ação que dispersou dependentes químicos pelo centro.
Durante visita ao Liceu na tarde de sexta-feira (19), em que anunciou medidas para evitar o fechamento da escola, o prefeito Ricardo Nunes minimizou o tamanho das feiras de drogas.
"Não temos mais nenhuma feira de crack como a gente tinha até pouco tempo atrás, era muito comum as imagens de feiras enormes com bandejas e traficantes vendendo drogas nas ruas. A situação não está resolvida, mas a gente está em um grande passo para resolver".
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