BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O que começou como um projeto emergencial para a cultura, um dos primeiros setores a fechar as portas durante a pandemia de Covid-19, acabou ganhando um desenho de política pública de longo prazo.
A Lei Aldir Blanc 2 enfim foi sancionada depois de uma longa queda de braço com o presidente Jair Bolsonaro. Com repasses anuais de R$ 3 bilhões da União para estados e municípios, o projeto garante o financiamento por cinco anos, a partir do ano que vem.
Especialistas apontam que o recurso pode representar uma virada no incentivo federal à cultura -e que ela complementa um vácuo que a Lei Roaunet, por não ter sido implementada em sua totalidade, ainda tem ao não descentralizar os recursos.
O entusiasmo com o projeto tem alguns motivos. O primeiro deles é que o montante da Aldir Blanc é inédito na Cultura. A Rouanet, por exemplo, movimenta cerca de R$ 1,2 bilhão por ano. O segundo é que, de acordo com pesquisa feita sobre a primeira rodada da lei, este valor chegou a grupos que não eram atendidos por incentivos à cultura.
Cerca de 63% dos contemplados pela Aldir Blanc, segundo uma pesquisa do Observatório da Economia Criativa da Bahia, que ouviu 2.213 participantes de 557 municípios, afirmaram que não haviam sido beneficiados com recursos públicos desde 2016.
Os dados desse levantamento também mostram que é um perfil diferente de artista e produtor cultural que recebe o auxílio. A média de valor por projeto na Aldir Blanc é de R$ 24 mil, enquanto a da Lei Rouanet é de R$ 461 mil.
"Esse é um aspecto que sempre levantou desconfiança. Sim, se coloca mais dinheiro na cultura, e aí pode ir para os mesmos de sempre. Mas, do modo como foi feito, de maneira descentralizada, chegando de maneira capilarizada, teve esse resultado incrível de uma efetiva democratização do acesso", afirma a advogada Clarice Calixto, especializada no setor.
Mas, agora acessado esse montante histórico, qual será a efetividade da política cultural? Como o recurso será executado? Como será a prestação de contas? São questionamentos que Calixto levanta e que a pesquisa do Observatório da Cultura da Bahia também mostra que estão em aberto.
"Todos enfrentaram dificuldades semelhantes, com uma equipe que era limitada, um tempo de processar seleção e pagamento. O gargalo operacional foi uma tendência", afirma Carlos Paiva, à frente da pesquisa.
Essa dificuldade de operacionalizar recursos para cultura não é um problema exclusivo da Aldir Blanc. Calixto conta que se impressionou quando entrou para o setor com a falta de leis que tratavam especificamente de políticas públicas culturais, que têm uma natureza distinta dos demais setores.
Isso porque o Estado acaba sendo o financiador desse tipo de atividade, e quem realiza as atividades culturais é a sociedade. Se a gente pensar, por exemplo, nos serviços de saúde, o Estado é responsável por oferecer o serviço.
Ao beber da legislação de outras áreas, a cultura também importou um sistema de prestação de contas que avalia o detalhe, notinha por notinha do que foi gasto na realização desse projeto. Segundo Calixto, essa não é uma maneira efetiva de se fazer uma fiscalização. "Quem controla no detalhe não consegue olhar o que importa, não consegue fazer gestão de riscos", diz ela.
"Se você pegar auditoria privada e auditoria pública de ponta no mundo inteiro, não vai ter um sistema formalista desse tipo porque ele é ineficiente. O que é eficiente em controle é fazer gestão de risco, sortear e fazer por amostragem em alguns casos."
Com R$ 3 bilhões para cultura, essas ferramentas para lidar com a cultura ficaram ainda mais urgentes --e a Aldir Blanc responde a isso. A deputada federal Jandira Feghali, do PC do B, e autora da lei conta que eles se preocuparam em desburocratizar ainda mais a prestação de contas, que é feita pelo resultado -ou seja, pelo trabalho cultural que foi entregue, e não pelas notinhas de café que um produtor consumiu, por exemplo.
Feghali, que acompanhou dificuldades da gestão pública para lidar com a lei, avalia que os gestores já estão mais bem preparados para distribuir e fiscalizar o incentivo, que teve como legado também a criação de conselhos e departamentos de cultura para dar conta da demanda.
Carlos Paiva, do Observatório de Cultura da Bahia, acredita que observar cinco anos em que o financiamento foi constante será uma oportunidade de ouro para arrumar uma balança que estava muito mal equilibrada, a da distribuição de riqueza pelo território.
A tal concentração que muitos apontam na Lei Rouanet existe de fato, e a razão é simples. "Se a base desse mecanismo é o imposto de renda pago pelas empresas do Brasil, a concentração desse imposto de renda está no Centro-Sul do país. Não é a concentração do imposto, é a concentração da economia", afirma Henilton Menezes, gestor de cultura e ex-chefe da Lei Rouanet entre 2010 e 2013.
Mas a Rouanet, desenhada por Sergio Paulo Rouanet depois da extinção da Lei Sarney, uma espécie de embrião do incentivo fiscal, nunca foi implementada em sua totalidade. Parte do projeto, que era para ser um tripé, era o Fundo Nacional de Cultura e os Fundos de Investimentos Culturais e Artísticos, que deveriam "equalizar a distribuição de recursos pelo país".
"Se esse tripé funcionasse adequadamente, ele seria quase perfeito em termos de arquitetura do financiamento da cultura brasileira", afirma Menezes. "Agora, a Aldir Blanc vai poder fazer com que o Fundo Nacional de Cultura cumpra o seu papel."
O IMPACTO DA LEI ALDIR BLANC
A média de valor por projeto na Aldir Blanc é de R$ 24 mil, enquanto a da Lei Rouanet é de R$ 461 mil
A região Norte recebeu 12,4% dos recursos da Aldir Blanc e o Nordeste, 31,7%. Essa porcentagem é de 1,18% e 4,19%, respectivamente, no caso da Rouanet
Cerca de 63% dos contemplados pela Aldir Blanc, ainda segundo pesquisa que ouviu 2.213 participantes de 557 municípios, afirmaram que não haviam sido beneficiados com recursos públicos desde 2016
Dados: Observatório da Economia Criativa da Bahia
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