SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Você já deve ter ouvido por aí a palavra "descarbonização", que muitas vezes vem associada a questões econômicas. Mas o que isso significa exatamente e como o próximo governo brasileiro pode entrar mais profundamente nisso?
A Talanoa, uma organização que busca discutir a política climática, junto a mais de uma centena de especialistas, fez dez recomendações para o próximo presidente e os próximos governadores colocarem o país no caminho da descarbonização.
A descarbonização pode ser resumida como o processo de transição para o zero-carbono, ou seja, quando as emissões de gases-estufa (somadas ao sequestro de carbono) atingirem a soma zero ?a neutralização da emissão de carbono. Esse processo é importante para conseguir conter a crise climática.
Segundo Natalie Unterstell, presidente da Talanoa, houve diálogo com quase todas as campanhas de presidenciáveis. A exceção foi a campanha do atual presidente Jair Bolsonaro (PL).
"Nós interagimos com algumas figuras do governo. Mas a gente não fez essa busca ativa pela campanha dele porque nos parece que, mais do que palavras, a realidade nos indica que ele não tem um compromisso com a descarbonização", diz Unterstell.
Durante o governo Bolsonaro, explodiu o desmatamento na Amazônia, a principal fonte de emissão de gases-estufa do país. Ao mesmo tempo, o presidente minimizava a importância tanto da derrubada quanto de queimadas. Isso para ficar somente em um exemplo.
Várias das medidas apontadas pela Talanoa dizem respeito a retomar ou reconstruir políticas abandonadas, reduzidas ou refeitas sob atual governo.
Por exemplo, alguns dos pontos citados pelo documento são a necessidade da questão climática ir além do Ministério do Meio Ambiente (que perdeu algumas linhas de ação sob Bolsonaro) e a apresentação de uma nova NDC (sigla para contribuição nacionalmente determinada e que pode ser, de modo mais simples, traduzida como meta climática) mais ambiciosa. Isso porque o Brasil deu uma "pedalada climática" em suas metas.
Atualmente, os objetivos nacionais são a neutralidade de carbono até 2050, a redução, em 2025, de 37% dos gases-estufa, em comparação com as emissões de 2005, e a diminuição, em 2030, de 50% dos gases, também em comparação com 2005.
Porém, os dados de emissões da base de comparação (2005) foram recentemente atualizados, sem que a meta de redução fosse tornada mais ambiciosa, como se esperava.
Unterstell diz que é preciso focar em um pacote de implementação para metas climáticas já em 2025 e que isso perpassa as medidas citadas pela Talanoa.
O documento da entidade também cita ser necessária a reestruturação da governança ambiental pelo país e aponta a necessidade de uma "descupinização institucional". A expressão vem da ministra Cármen Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal), que disse, durante julgamento, que o Brasil tem sofrido um quadro de "cupinização institucional", uma corrosão interna e invisível das instituições, sobretudo das que tratam do meio ambiente.
Dessa forma, o documento aponta a necessidade de fortalecimento de órgãos de fiscalização ambiental e de um novo plano de controle de desmatamento, com a necessidade de zerá-lo, buscando evitar o ponto de não retorno na Amazônia ?no qual, devido ao desmate, a floresta deverá passar por um processo de savanização, na qual a sua biodiversidade e serviços ecossistêmicos serão perdidos.
"Esse processo vai passar por uma certa remoralização das pessoas que trabalham em órgãos ambientais. Não é simplesmente ir lá e falar que agora eles importam. Isso significa inclusive concursos, contratação de mão-de-obra", diz Unterstell.
De acordo com Unterstell, houve uma evolução, entre os atuais candidatos, quanto à essencial questão da crise climática. "Eles ainda estavam muito se envernizando de verde, mas sem compromissos reais. Eu vi um amadurecimento. Começamos a ver alguma evolução. Ainda é pouco diante da magnitude dos problemas, mas estamos começando a entrar no rumo certo", diz a especialista.
A presidente da Talanoa também cita como ponto importante entre as dez medidas a questão energética, inclusive o futuro da Petrobras.
"A gente acha bastante temerário que se fale que o gás natural é um combustível de transição no Brasil. Isso certamente é uma realidade em países como Alemanha, mas nós, que temos uma matriz elétrica bastante renovável, colocarmos o gás nessa matriz é andar para trás. É carbonizar. Percebemos que a chapa Lula-Alckmin coloca o gás como parte da transição energética."
Sobre a Petrobras, segundo Unterstell, não é o caso de simplesmente parar a exploração de petróleo, mas discutir o que será da empresa nos próximos anos e iniciar uma transição interna, que abarque os trabalhadores da área, mas também os municípios que recebem royalties de petróleo.
"Esse aspecto da transição justa não estamos vendo em nenhuma das propostas dos candidatos", diz a especialista. "A Petrobras vai ser um agente dessa transição energética justa? Na tendência atual, segundo gestões recentes, ela está indo para explorar até a última gota do último poço de petróleo que ela puder, inclusive de áreas sensíveis, como a foz do Amazonas."
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