MACEIÓ, AL (FOLHAPRESS) - Valquíria Alfredo dos Santos, 23, segurava Qemilli, 1, quando aceitou receber a reportagem em sua casa em Maceió. Mãe de mais duas crianças, ela havia pulado o café da manhã e recebido uma doação de almoço para seguir o dia. Não tinha mistura (carne vermelha, peixe ou frango), para o jantar.
Elas são parte dos 2,6 milhões de alagoanos que sofrem com a insegurança alimentar, de acordo com dados do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, divulgado nesta quarta (14). Esse número equivale a 36,7% da população do estado, duas vezes maior do que a média nacional.
A casa de Valquíria não tem banheiro. A família faz as necessidades fisiológicas em sacolas, descartadas num área ainda dentro da comunidade Vila Emater 2, que surgiu no entorno do antigo lixão de Maceió.
"Nunca tive trabalho com a carteira fichada. Meu esposo, sim, mas hoje ele vive de bicos como catador. Aqui na geladeira, nós só temos água e um pote de manteiga que pegamos na rua", afirma ela.
O sonho de Valquíria é conseguir dar uma condição de vida melhor para as três filhas, de um, cinco e sete anos. "Sonho em ter coisas melhores, uma vida melhor para minhas filhas. Vê-las indo para a escola, ter um almoço e um jantar para recebê-las, mas estamos colocando currículos e ninguém nunca chamou."
O temor dela é que a bebê viva a sua história, já que ela repete a da mãe, a catadora Célia Maria dos Santos, 49. Célia havia tomado café da manhã na cooperativa em que trabalha, mas voltava para o expediente sem almoçar.
É uma rotina de domingo a domingo, recebendo um salário mínimo. Célia vive com o companheiro, Carlos Alexandre, e tem dez filhos, além de 27 netos.
"Quando chega assim no meio do mês, como agora, eu 'tiro' uma cesta básica e distribuo para as minhas filhas. Eu estou devendo R$ 360 por conta disso. Peguei a comida e dividi para três casas. Enquanto eu estiver batendo com os olhos, eu sei que tenho que trabalhar. Eu nem sei lhe dizer o que é mais difícil, porque a resposta é 'tudo'", lamenta.
Célia já havia trabalhado como catadora nas ruas, quando mais nova, e como cortadora de cana, para ajudar a casa da sua mãe, hoje falecida.
Edielma da Silva Nunes contou que não sabia a própria idade e entregou o seu documento para dar a informação correta.
Ela tem 33 anos anos, completado nesta quarta, quando a reportagem a encontrou. Nem sequer havia notado que era seu aniversário e não teve muito o que dizer sobre a data.
Era o tipo de coisa que não se permitia ser uma preocupação, já que seus três filhos, todos crianças, choravam para que pudessem comer.
"Tem dias que meu filho pede um negócio e eu não tenho para dar. Eles pedem frutas, pipoca, biscoito, essas coisinhas de criança. Ficam chorando, mas infelizmente eu não posso fazer nada.
Ela conta que o marido vai para a rua tentar conseguir algum dinheiro. "Eu tenho que fazer fogo a lenha às vezes, por conta do valor do gás. Pego tijolos, madeira, coloco uns plásticos e acendo com um isqueiro."
Rosali Alexandre de Souza, 47, sofreu com as fortes chuvas que atingiram Alagoas e outros estados do Nordeste --o barraco em que morava caiu e não há dinheiro para levantar uma nova estrutura.
A visita da reportagem foi intermediada pela Casa Tuca, uma das ONGs que ajuda com cestas básicas e doações.
"Não existe para a gente carne de boi. Ainda é possível comer frango, mas é mais salsicha, esse tipo de coisa. Nesse valor das coisas, não dá para comprar uma carne melhor. O pessoal pegava muito as ossadas, recebiam doações", diz Rosali.
Ao andar pelas ruas de Maceió, é possível encontrar pessoas com placas pedindo ajuda e reclamando da fome. A quase 12 quilômetros da Vila Emater 2, a comunidade conhecida como Alto da Alegria recebia nesta quarta uma ação do projeto Amigos da Sopa.
Lá, Lucineide de Moraes Nascimento, 57, havia deixado de tomar o café da manhã em prol da família. Diabética e com pressão alta, ela teve de ser hospitalizada recentemente porque suas taxas estavam altas.
"Ainda hoje o 'velho' [esposo] foi vender umas latinhas, ganhou um dinheirinho e compramos dois quilos de salsicha para ter uma mistura no almoço, para a comida das crianças. É isso o que tem na geladeira, um restinho de arroz e a salsicha que a gente comprou", afirma.
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