SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Está em todos os livros de física: objetos num campo gravitacional caem sempre na mesma velocidade, pouco importando sua massa e de que são feitos. Mas com qual grau de confiança sabemos disso?
Os resultados finais de um experimento espacial a fim de testar o chamado princípio da equivalência acabam de ser publicados e empurram a precisão cem vezes mais que medições anteriores, atingindo uma precisão de uma parte em mil trilhões, o que os físicos de forma econômica escrevem como 10-15.
Publicado no periódico Physical Review Letters e encabeçado por Pierre Touboul, da Universidade Paris Saclay, o trabalho traz os frutos da missão Microscope, um satélite de pequeno porte (pouco mais de 300 kg) desenvolvido pelo Cnes (agência espacial francesa) em cooperação com a ESA (sua contraparte europeia).
Após seu lançamento, em 2016, a missão passou dois anos e meio colhendo resultados de um experimento tecnicamente desafiador, embora simples em sua descrição: consistia em cilindros, de titânio ou platina, colocados no interior da espaçonave para experimentar a queda livre sob o campo gravitacional da Terra, em órbita.
Os cilindros, quando ameaçavam sair do lugar por conta de pequenas perturbações no satélite, eram mantidos na posição por forças eletrostáticas (geradas por cargas elétricas em repouso). Medindo eventuais diferenças nesse processo de ajuste entre os cilindros, os cientistas em essência mediam se os objetos estavam "caindo" em velocidades diferentes. Durante todo o tempo de experimentação, não estiveram.
É uma versão ultrassofisticada de um experimento realizado no século 17 por Galileu Galilei, ao deixar esferas de massas diferentes correrem por planos inclinados para medir o tempo de descida. (Dizem até que ele teria feito uma demonstração mais dramática ao soltar dois objetos do alto da torre de Pisa, mas a maioria dos historiadores acredita que esse foi apenas um experimento mental.)
Desde então, incontáveis testes foram realizados para demonstrar o mesmo fato empírico com confiança cada vez maior. Um dos mais dramáticos (embora nada precisos) foi realizado pelo astronauta David Scott, da Apollo 15, na superfície da Lua, em 1971: ele deixou cair uma pena e um martelo e viu ambos irem ao solo simultaneamente (na Terra, a atmosfera atrapalharia a descida da pena).
Já os melhores realizados antes do Microscope haviam atingido precisão de 10-13. Projetado para fazer cem vezes melhor, o satélite francês produziu resultados parciais em 2017, levando esse valor a 10-14. Agora, com a conclusão das análises, chegou-se ao cobiçado 10-15.
Para que tanto teste? O leitor pode se perguntar de onde vem a obsessão de testar um fenômeno como esse até seus limites mais extremos. A resposta está na teoria da relatividade geral, nossa melhor resposta até hoje para descrever a gravidade. O princípio da equivalência, embora seja puramente empírico, está na base da teoria.
Partindo do princípio da equivalência galileano, mais bem elaborado por Isaac Newton, Einstein concebeu uma versão generalizada que indicava não só que qualquer objeto, independentemente de sua natureza e massa, cai na mesma velocidade sob um campo gravitacional, mas que estar em queda livre num campo gravitacional e estar em repouso longe de qualquer campo gravitacional são essencialmente a mesma coisa, e as mesmas leis da física se aplicam aos dois casos.
"Há duas definições para massa, uma que a vê como uma resistência a ser colocada em movimento [a chamada inércia], e a segunda a interpreta como uma 'fonte' de campo gravitacional. No caso, a deformação no espaço-tempo que ela causaria é a atração que ela provoca em outros corpos massivos", explica Cássio Leandro Barbosa, astrofísico do Centro Universitário FEI. "A primeira é newtoniana, e a segunda, einsteiniana. O princípio da equivalência é o casamento das duas."
O problema: embora sensato e consistente com os experimentos já realizados, o princípio da equivalência é só isso mesmo, um princípio, um pressuposto. Claramente, é uma ótima aproximação da realidade. Mas seria uma aproximação absoluta?
Os físicos têm motivos para acreditar que talvez não. Isso porque ainda há um casamento a ser realizado: o da relatividade geral com a mecânica quântica. A primeira é uma teoria clássica, no sentido de que descreve espaço, tempo, matéria e energia como contínuos -algo que sempre pode ser dividido, indefinidamente.
Já a segunda é quântica, ou seja, pressupõe que a natureza tem uma granulação mínima de todos os seus parâmetros fundamentais. Chega a um ponto em que você não pode mais dividir a matéria ou mesmo o espaço.
São, portanto, visões contrapostas da natureza. Como podem ser as duas perfeitamente verdadeiras? Para a grande maioria dos problemas físicos, essa é uma questão que não incomoda. Normalmente, a mecânica quântica descreve bem tudo que é muito pequeno, e a relatividade, o que é muito grande. Cada um no seu quadrado.
O drama é quando as duas precisam operar juntas, em circunstâncias radicais, como no interior de buracos negros ou mesmo no Big Bang, momento que deu início ao Universo como o conhecemos. Para entender mais profundamente esses fenômenos, é preciso casar as duas teorias.
Ao buscar rachaduras em um princípio basilar da relatividade geral, os cientistas na verdade procuram uma pista de como ela pode ser reescrita de forma a se encaixar com a mecânica quântica. A missão francesa Microscope tentou e só confirmou mais uma vez o sucesso estonteante do princípio da equivalência. Mas já há projeto para a Microscope 2, que deve elevar a precisão a 10-17 -e quem sabe encontrar uma tão buscada violação.
Por ora, as conclusões tiradas por Galileu com suas esferas e planos inclinados, bem como por Einstein e sua visão da gravidade como uma curvatura do espaço-tempo, seguem perfeitamente (e não apenas aproximadamente) válidas.
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