SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Depois de receber uma série de mensagens ameaçadoras, o empresário José Aécio Fernandes Vieira, 82, do Recife, decidiu atualizar seu testamento e registrar, em cartório, o receio de ser encontrado morto de causas não naturais, vítima de uma morte suspeita.

Nesse documento público de novembro de 2019, José Aécio informa que o autor dos emails com diversas ameaças e motivo de tanta preocupação por parte da família era Thiago Brennand Fernandes Vieira, um de seus cinco filhos.

Brennand, 42, é o empresário que ficou conhecido no mês passado após agredir a modelo Alliny Helena Gomes, 37, durante discussão em uma academia de ginástica na zona oeste de São Paulo. Ele também é investigado sob a suspeita de 11 crimes sexuais.

Os temores de José Aécio Vieira estão em um testamento público, registrado no 8º Tabelionato de Notas de Recife, no qual também manifesta a intenção de deserdar o filho. O documento está em poder do Ministério Público de São Paulo na investigação dos supostos crimes sexuais.

A mãe de Brennand, Joana Fernandes Vieira, registrou documento semelhante, em que também manifesta publicamente o desejo de deserdar o filho.

Entre os motivos alegados estão a "absoluta inexistência de qualquer afinidade" entre eles e as agressões "de forma reiterada, explícita e pública, pessoalmente e através de emails" que provocou "insuportável nível de sofrimento".

Entre os xingamentos supostamente encaminhados por email em novembro de 2019, mãe diz ter sido chamada de "figura abjeta", "figura abominável", "figura imunda", "figura nojenta" e "Goebbels [Joseph Goebbels foi o ministro da propaganda de Adolf Hitler] de nossa família."

Joana Vieira deixa registrado que, caso outros herdeiros testamentários contestem esse seu desejo de deserção, eles também serão excluídos da herança.

Em depoimento à polícia no mês passado, Brennand disse ter perdido a cabeça com a modelo na academia justamente porque a mulher teria ofendido a mãe dele em meio à discussão.

"Em vista das injustas agressões verbais que sofria naquele momento, em especial no momento em que Alliny diz 'sua mãe deve ser porca igual a você', o que lhe tirou totalmente do prumo já que sua mãe está lutando contra um câncer", diz trecho do depoimento do empresário à polícia.

No testamento, José Aécio pede para anexar uma série de mensagens do filho que apontam ser um descontentamento de uma partilha, feita em 2007, o motivo de tanta raiva contra a família.

Em um deles, Brennand teria escrito que se o pai "quiser pagar de louco e fizer uma rearrumação do que é liberalidade e do que é legítima [sic], ou qualquer outra safadeza, anuncio desde já que o cacete vai comer entre nós filhos. E não haverá descanso até que a coisa seja resolvida, pelo bem ou pelo mal".

"É como disse: todo e qualquer cenário, dos positivos aos negativos, eu já ensaiei. Para mim, a morte virá antes da desonra", afirma o email, conforme registrado pelo pai.

Em outro momento, Brennand teria dito ainda que a sua biografia só tem duas possibilidades de ser escrita: "ou me pagam o que devem, e me tiram do resto para sequer precisar saber de suas mortes, deixando assim prejuízos restabelecidos, ou então, vai haver prejuízo dos dois lados. Não é ameaça, é promessa, e não irei cumprir se morrer antes".

Porém, no atestado do pai, há uma condicionante que prevê a volta do filho para a partição de bens. Ele diz que se, na abertura da sua sucessão e da sua esposa, aceitaria a reintegração do filho como herdeiro, caso ele não tenha praticado, direta ou indiretamente, nenhum atentado contra a integridade física ou psicológica do pai, da mãe, dos irmãos ou de seus descendentes.

A fortuna de Brennand, segundo advogados e familiares, é estimada em mais de R$ 200 milhões, que incluem casa no condomínio Fazenda Boa Vista, em Porto Feliz (interior paulista), carros de luxo, propriedades em São Paulo e armas -calcula-se que ele possui um arsenal de mais de 50 armas.

Apesar da manifestação dos pais, o Código Civil Brasileiro prevê que a exclusão de um herdeiro só se concretiza judicialmente, segundo especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo. Ou seja, com a morte dos testadores e a abertura do inventário, o juiz precisa reconhecer e decretar a exclusão para que ela realmente surta efeitos no momento da divisão de bens.

Ainda de acordo com as normas brasileira, as únicas hipóteses que permitem a exclusão dos chamados herdeiros necessários -descendentes, ascendentes e o cônjuge- são nos casos de ofensa física, injúria grave, relações ilícitas com a madrasta ou padrasto, desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade.

No testamento, os pais de Thiago Brennand anexaram os emails com as injúrias graves que sofreram do filho, o que justificaria a deserção. No documento, Joana Vieira registra que ele sempre demonstrou hostilidade e desejo de não se relacionar com ela.

EX-MULHER E FILHO TAMBÉM ACUSARAM EMPRESÁRIO DE AGRESSÃO

Além da relação difícil com os pais, o perfil violento de Brennand também aparece em outros documentos que a reportagem teve acesso.

Andressa Goes Agra Marques declarou em 2020 à Justiça que manteve um relacionamento abusivo com Brennand e que ele a agrediu fisicamente.

Na ocasião, ela afirmou que o filho deles, que hoje tem 16 anos e vivia com o pai, a procurou por meio das redes sociais para pedir socorro. O jovem afirmou à época que Brennand batia nele constantemente desde os quatro anos.

Em depoimento à Polícia Civil de Pernambuco, o menor de idade mostrou hematomas e declarou que, no início, costumava apanhar com o fio do carregador do celular. Depois, as violências teriam piorado e ele teria apanhado com cinto, baqueta de bateria, cabides, fio de corda e cipó de goiabeira.

Jason Vieira, primo de Brennand e afilhado de Joana e José Aécio Vieira, afirma que os tios estão deprimidos, assim como o restante da família. Apesar de ter causado problemas na família desde criança, as notícias de acusações contra ele estão surpreendendo a todos. "Ninguém imaginava que os crimes de Thiago eram nesse nível tão grotesco", relata o primo.

Ele explica que, após a partilha da fortuna em 2007, os tios decidiram fazer o novo testamento principalmente por causa das agressões cometidas contra os irmãos. Jason relata ainda que os tios de estão muito "tristes pela quantidade de porcarias que esse cara já fez". Além disso, os irmãos não falam com ele há anos.

"É um cara muito perigoso. Deveria ser preso não pelo que ele já fez comigo [Jason afirma que Thiago mandou um caixão para sua casa porque ele trata de um câncer] ou com outros, mas o que ele pode fazer. Tomara que seja preso", diz o primo.

DEFESA DEIXOU O CASO

Após as acusações de violência contra a atriz Alliny Helena Gomes, Brennand deixou o país no último dia 4. Segundo informações obtidas pela Folha de S.Paulo, pegou um voo para Dubai, na madrugada, horas antes de a Promotoria denunciá-lo pelas agressões à modelo na academia e solicitar a apreensão do passaporte dele.

A defesa dele, que era constituída pelo escritório Cavalcanti Sion Advogados, entrou com pedido de habeas corpus para afastar a determinação do retorno e entrega de passaporte. Porém, o pedido foi negado na última quinta-feira (15). A informação foi confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

O processo está em segredo de Justiça.

Sobre as agressões contra a atriz, a defesa havia alegado que ele compareceu espontaneamente para prestar esclarecimentos às autoridades policiais. Além disso, diz que a íntegra dos vídeos entregues pela academia de ginástica corrobora a versão de que as agressões verbais foram iniciadas por Alliny.

"Durante o depoimento, Thiago Fernandes Vieira pediu desculpas por qualquer excesso cometido ao reagir às ofensas", completou.

O escritório, porém, deixou o caso no último fim de semana. Agora, Brennand está representado por outras duas firmas: Alves de Oliveira e Salles Vanni, de São Paulo, e Carlos Barros e Gustavo Rocha Advocacia Criminal.

Adriano Salles Vanni, advogado no escritório da capital paulista, afirma que atuou no caso em que Thiago é acusado de ter mantido uma mulher em cárcere privado, em Porto Feliz. Como o caso foi desarquivado, Vanni afirma que continuará "cuidando dos interesses dele nesse caso específico''.

O escritório Carlos Barros e Gustavo Rocha Advocacia foi procurado, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.

Além disso, a Folha de S.Paulo tentou falar por telefone e email com os pais de Brennand desde sexta (16), mas não conseguiu contato. A reportagem procurou outros parentes, mas também não teve sucesso.


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