SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Sentando em um banquinho na porta, o comerciante Antonio Correa, 65, observa a obra em frente e o trânsito sem parar. "Repare que há pouca gente na calçada e quem passa de carro nem consegue olhar para o lado. Aqui era bom nos anos 1960 e 1970", afirma o dono de uma bicicletaria na altura do número 500 da avenida Santo Amaro, onde trabalha desde a adolescência.

Um dos grandes desafios na revitalização da via da zona sul de São Paulo, iniciada em julho deste ano, é devolver vida ao comércio e à prestação de serviço na avenida, que vem acumulando portas fechadas desde meados da década de 1980, quando começou a ser construído um dos principais corredores de ônibus da capital e que, por isso, excluiu vagas de estacionamento.

Hoje, existe até o caso de um quarteirão inteiro com prédios comerciais fechados, entre as ruas André Gonçalves e Doutor Eduardo de Souza Aranha. Outros também estão deteriorados e com fachadas pichadas.

Segundo a Prefeitura de São Paulo, um dos objetivos da requalificação é incentivar a construção de empreendimentos, de comércio no térreo dos edifícios, o uso misto (residencial e comercial), além de remembramento de lotes (união de terrenos).

Estão sendo revitalizados 2,5 km da via, no trecho entre as avenidas Presidente Juscelino Kubitschek e dos Bandeirantes, com promessa de alargamento de calçadas, reforma do corredor de ônibus, novo mobiliário urbano, enterramento das redes de fios e nova iluminação pública, entre outros. As obras devem levar 17 meses.

Orçada em R$ 62,6 milhões, os recursos para a reforma virão da Operação Consorciada Urbana Faria Lima, intervenção para captar investimentos e promover revitalização regional.

Segundo o Plano Diretor de 2014, que terá revisão em 2022, em geral na cidade há a possibilidade de uma construção ter uma metragem até quatro vezes maior que a área do seu terreno, desde que o investidor pague por isso. No caso dessas operações urbanas, consegue-se chegar a até seis vezes. E essa é uma das apostas para atrair empreendimentos.

"Não tenho dúvida de que com o tempo a paisagem urbana da avenida vai mudar", afirma Adriano Sartori, vice-presidente de Gestão Patrimonial e Locação do Secovi-SP, que diz acreditar em uma nova realidade, principalmente se houver investimentos em áreas ligadas à de educação e à de saúde.

O uso misto, com residências e ocupação maior, afirma Sartori, deverá dar mais segurança para a região. Segundo a Secretaria da Segurança Pública, em julho (dados mais recentes) foram 170 registros de roubos na região do 11º DP, em Santo Amaro. O número se aproxima das 176 queixas do mesmo mês em 2019, antes da crise sanitária, quando havia mais portas abertas e movimento.

"A pandemia foi cruel por aqui", afirma o sapateiro José Narcísio Pereira, 63. Seu negócio está instalado desde 1984 em um conjunto de lojas no térreo de um prédio na altura do número 800. No local, de sete boxes na fachada, três estavam fechados na última segunda (19).

Antonio Souza, diretor-superintendente da Distrital Sul da Associação Comercial de São Paulo, que chama o trecho a ser revitalizado de "morto para o comércio", lembra que, por não ser uma área tombada, grandes investidores devem efetivamente mexer com o urbanismo regional. "Os comerciantes locais também podem ser favorecidos, alargarem suas portas, mas é preciso pensar em estacionamento."

Os especialistas citam, ainda, a necessidade de planejamento para passagem para pedestres. Hoje, não há padrão nas calçadas, com trechos largos e outros estreitos imediatamente à frente.

No quarteirão para se chegar à rua Doutora Maria Augusta Saraiva, o pedestre que ia em direção à avenida dos Bandeirantes precisava desviar de mato alto na última segunda (19). Em nota, a gestão Ricardo Nunes (MDB) afirma que limpou o local e que o proprietário da área foi intimado.

"O projeto incentivará a circulação e permanência de pessoas, o que, por sua vez, estimulará a atividade econômica e a preservação dos imóveis", diz a SP Urbanismo, empresa ligada à administração municipal.

Dono de uma oficina mecânica, Ismael Jacinto Pedroso, 57, espera que as obras não sejam apenas perfumaria. Ele critica a falta de ciclovias em uma avenida já tomada pela pista de trânsito e pelo corredor de ônibus. O projeto de revitalização, entretanto, prevê integração com a malha cicloviária.

Operações urbanas As operações urbanas, como a da Faria Lima, da qual sairá o dinheiro para a revitalização da avenida Santo Amaro, proporcionaram investimentos de R$ 6,3 bilhões nas regiões oeste, sul e central de São Paulo em cerca de 25 anos, segundo a SP Urbanismo.

Os recursos, contabilizados até junho, foram usados em obras como a do largo da Batata (em Pinheiros), a implantação de ciclovia e prolongamento da avenida Brigadeiro Faria Lima (também na zona oeste), a construção da ponte estaiada Octavio Frias de Oliveira (na zona sul) e a revitalização da praça Franklin Roosevelt (no centro).

Esses instrumentos de intervenção pública captam recursos por meio de venda de Cepacs (Certificados de Potencial Adicional de Construção), negociados na Bolsa de Valores, em leilões públicos ou no mercado secundário.

As outras operações consorciadas são a Água Branca e a Água Espraiada, esta retomada no mês passado, após dez anos parada.

Há ainda a Operação Urbana Centro, esta com captação de dinheiro com pagamento de outorga onerosa, que está sendo transformada em PIU (Projeto de Intervenção Urbana) do Setor Central.

Os Cepacs são títulos imobiliários adquiridos por interessados em construir edificações acima do potencial construtivo estabelecido para a região.

Mas não é apenas quem quer construir acima dos limites que adquire certificados: qualquer um pode comprar para investimento. "Ele é um título com valor de mercado valorizado, negociado por corretoras, fundo de investimentos e até mesmo por construtoras", diz Cesar Angel Boffa de Azevedo, presidente da SP Urbanismo.

De acordo com Azevedo, as operações consorciadas devem reservar 30% do orçamento para construção de moradias sociais.

Para Gustavo Fernandes, professor de administração pública da FGV (Fundação Getulio Vargas), o uso desse tipo de instrumento é benéfico, porque permite que a gestão pública capte recursos e atraia investimentos para regiões em desenvolvimento sem tirar dinheiro de outros segmentos, como saúde e educação. Ele critica, porém, a falta de planejamento a longo prazo.

A urbanista Catharina Christina Teixeira, que faz parte do conselho gestor da operação urbana Água Espraiada, considera que o instrumento é voltado apenas ao lucro do mercado imobiliário. "No meu entendimento, há uma dinâmica potencializada de desigualdades", afirma.

Ela diz que a valorização por causa das parcerias público-privadas, que sustentam as operações consorciadas, acabam expulsando paulatinamente pessoas que não conseguem acompanhar os custos dos serviços prestados na região desenvolvida.


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