NOVA YORK, EUA (FOLHAPRESS) - Sem precedentes e ainda sem respostas suficientes, a crise climática perdeu espaço nas discussões dos chefes de Estado reunidos nesta semana na Assembleia-Geral da ONU. O agravamento da Guerra da Ucrânia e suas repercussões dominaram a pauta do encontro.

Na quarta-feira (21), o presidente americano, Joe Biden, e o francês, Emmanuel Macron, deixaram de ir à reunião sobre a emergência climática convocada pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, para discursar em um evento de arrecadação de fundos de saúde da Unaids.

Os dois líderes, que marcaram defesas do Acordo de Paris de combate às mudanças climáticas em diferentes momentos políticos e já foram anfitriões das suas próprias cúpulas do clima, lidam agora com outras agendas.

"A mudança climática parece ter sido descartada como prioridade por muitos tomadores de decisão em todo o mundo", declarou Guterres no Twitter na manhã da quarta-feira.

A reportagem apurou que a ONU tentou aproximar a discussão climática da tripla crise em energia, alimentação e finanças --as duas pautas foram agendadas em reuniões sequenciais--, mas encontrou resistência dos líderes.

Sem Biden e Macron, a reunião contou com a presença do enviado especial do clima dos Estados Unidos, John Kerry, e, do lado europeu, com o vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans. A lista completa de participantes não foi divulgada pela ONU.

A ausência dos chefes de Estado prejudica o plano do secretário-geral de elevar a negociação climática para o mais alto nível político de tomada de decisão.

Em 2019, Guterres havia convocado uma cúpula do clima, na véspera da Assembleia-Geral, com vistas a dar palco a líderes mundiais comprometidos a anunciar metas climáticas mais ambiciosas. A iniciativa foi replicada por Biden, no início de seu mandato, e virou uma proposta na COP26 do Clima da ONU, no último novembro, para que os países apresentem novidades anuais sobre suas contribuições climáticas.

Já neste ano, em um cenário de incertezas trazidas pelas consequências da pandemia e da Guerra da Ucrânia, a estratégia do secretário-geral trocou o palco pela reunião fechada para o público, com o objetivo de ajudar a destravar nós políticos das negociações climáticas --que voltam a acontecer na COP27, prevista para novembro, no Egito.

A disposição dos países desenvolvidos de financiar as ações climáticas --especialmente em adaptação e perdas e danos-- no mundo em desenvolvimento já havia diminuído com a pandemia e agora, com a guerra, parece fora de cogitação.

Em um dos eventos da Semana do Clima de Nova York, que ocorre concomitantemente à Assembleia-Geral, o enviado do clima americano negou, ao responder uma pergunta do público, que haja financiamento possível para perdas e danos climáticos.

"Nós temos um [orçamento] limitado, me diga o governo no mundo que tem trilhões de dólares, porque é isso que custa", disse Kerry, em evento do jornal The New York Times.

No mesmo evento, o presidente do Banco Mundial, David Malpass, respondeu a uma pergunta sobre o dano dos combustíveis fósseis ao clima com a frase "não sei, não sou cientista", o que gerou uma onda de críticas nas mídias sociais, com pressões para que seja demitido do cargo.

A resposta, classificada como negacionismo climático, aumenta o receio de que o Banco Mundial e outros bancos de desenvolvimento não coloquem um prazo para o fim do financiamento a projetos de combustíveis fósseis --algo que também pode ser adiado pela demanda europeia de encontrar outras fontes para abastecimento em substituição ao petróleo e gás russos.

Para a enviada especial do clima da Alemanha, Jennifer Morgan, os investimentos recentes em novas fontes de combustíveis fósseis não prejudicam o compromisso com as metas climáticas.

"Há uma impressão equivocada de que, porque estamos recorrendo ao carvão, para assegurar que nossos cidadãos tenham aquecimento no inverno, não somos mais sérios ou abandonamos nossas metas de clima", disse à reportagem.

"O que a guerra está provocando é a antecipação do pico do uso de combustíveis fósseis; nosso maior investimento ainda é na transição para energias renováveis", completou.

Apesar de ter saído do foco prioritário, a agenda climática ainda figurou nos discursos dos chefes de Estado durante a Assembleia-Geral.

"A diplomacia climática não é um favor aos Estados Unidos ou a qualquer nação e abandoná-la prejudica o mundo todo", disse Biden, que aproveitou a pauta do clima para sinalizar diretamente à China que a competição entre os dois países não deve impedir a colaboração na pauta climática.

"Conforme lidamos com as mudanças nas tendências geopolíticas, os Estados Unidos se comportarão como um líder razoável", disse.

Macron também apontou, em seu discurso, a crise climática entre as questões que precisam de atenção urgente, junto ao terrorismo e à proliferação nuclear. O líder francês defendeu a erradicação do carvão e pediu que a China e outros países tomem decisões firmes na COP27. O presidente chinês, assim como o russo, não participaram da Assembleia-Geral.

"O que é mais prejudicial para a humanidade: cocaína, dióxido de carbono ou petróleo?", questionou o recém-eleito presidente da Colômbia, Gustavo Petro, em um discurso que ganhou as redes sociais pela comparação irreverente, usada para protestar contra a guerra às drogas e os combustíveis fósseis.

Ele também afirmou que as guerras são usadas como desculpas para não enfrentar as mudanças climáticas.

"A vontade do poder decidiu que a cocaína é o veneno que deve ser perseguido, ainda que cause um mínimo de overdoses. Por outro lado, o dióxido de carbono e o petróleo devem ser protegidos, ainda que seu uso possa levar a humanidade à extinção", disse.

O presidente Jair Bolsonaro também abordou a pauta climática, criticando a recorrência dos europeus aos combustíveis fósseis e citando o Brasil como "campeão da transição energética". Após ter sofrido críticas internacionais ao longo do mandato pelas políticas antiambientais, ele fez um discurso mais comedido, mas ainda repetiu dados falsos sobre a conservação da Amazônia.

Líderes de países em desenvolvimento também aproveitaram para reforçar a demanda por financiamento das ações climáticas. O presidente de Senegal, Macky Sall, enfatizou o pedido de mobilização de US$ 100 bilhões de dólares anuais para adaptação climática.

O presidente do Suriname, Chandrika Persad Santochi, lembrou que o país é um dos três no mundo que absorvem mais carbono do que emitem e, no entanto, sofrem as consequências das mudanças climáticas.


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