SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) - O paleontólogo argentino Diego Pol já batizou dezenas de espécies de dinossauros e outros monstros pré-históricos, entre os quais se agiganta um dos principais candidatos a maior animal terrestre de todos os tempos. O Patagotitan mayorum pode ter alcançado quase 40 metros de comprimento e cerca de 70 toneladas -um tamanho tão descomunal que faz com que ele e outros bichos semelhantes ainda sejam um mistério.
"Faltam dados sobre a origem do gigantismo extremo", disse Pol à Folha de S.Paulo durante sua visita recente a São Paulo, para prestigiar a exposição de uma réplica completa do esqueleto do dino na mostra "Dinossauros: Patagotitan - O Maior do Mundo", no parque Ibirapuera.
Para Pol, que trabalha no Museu Paleontológico Egidio Feruglio, na Patagônia argentina, a chave para entender o tamanho dos animais virá de descobertas em rochas que hoje são raras e pouco exploradas, e também de uma compreensão melhor do ecossistema em que viviam.
Na entrevista, ele prevê um futuro brilhante para a paleontologia brasileira e defende que os dinossauros são uma janela para entender as crises ambientais do presente.
PERGUNTA - Já existem maneiras sólidas de explicar como os saurópodes se tornaram os maiores animais terrestres de todos os tempos?
DIEGO POL - Creio que temos uma ideia inicial e aproximada de como eles se tornaram tão imensos, mas o grande desafio ainda é o de encontrar momentos-chave da evolução do gigantismo que estão faltando.
Nos últimos dez anos, aprendemos muito sobre a transformação que aconteceu desde os pequenos dinossauros do Carniano [a partir de 237 milhões de anos atrás], que eram animais do tamanho de um gato, até chegarmos aos que eram equivalentes a um elefante. Esse salto nós conseguimos compreender especialmente graças a achados que ocorreram no Brasil, na Argentina e na África do Sul, que foram fundamentais.
No entanto, o que falta um pouco são dados sobre a origem do gigantismo extremo. E isso acontece porque ainda sabemos muito pouco sobre uma fase muito importante que é o Cretáceo Inferior, entre os 150 milhões e 100 milhões de anos atrás.
Temos uma lacuna muito grande, e é aí que está a origem dos supergigantes. O Patagotitan, com 100 milhões de anos, mostra que, no final desse período, eles já chegaram ao ápice. O conhecimento sobre essa fase é muito pequeno em nível mundial e especialmente aqui na América do Sul.
P.- O que explica essa lacuna?
DP- Essa lacuna existe, em parte, porque há menos rochas com essa idade, mas também, quando elas existem, podem ser rochas onde é mais difícil encontrar fósseis. E é natural que os paleontólogos acabem escavando mais onde eles acham fósseis com mais frequência.
No caso da Argentina e do Brasil, por exemplo, estão aparecendo muitos fósseis do Carniano. Já o Noriano [a partir de 227 milhões de anos atrás] não tem um material tão abundante. Às vezes é preciso ir aos lugares que não são tão fáceis de escavar porque aí é que podem estar as maiores novidades. Pode ser que você demore muitos dias para achar um único fóssil, mas que vai trazer mais informações do que vários fósseis de outros lugares.
Enquanto esses dados não aparecem, que outros mecanismos podem ter impulsionado o supergigantismo, do ponto de vista hipotético?
Uma coisa que estamos começando a entender com mais detalhes são as mudanças climáticas do Cretáceo. É muito provável que essas alterações, que afetam a produtividade primária dos ecossistemas [a quantidade de vegetais crescendo num ambiente], tenham uma relação com esse aumento de tamanho.
Quando vemos o Patagotitan e o comparamos a um titanossauro menor, não estamos vendo um plano corporal [a estrutura anatômica do corpo] completamente diferente. Fazemos cortes histológicos nos ossos [para analisar as células ósseas] e é tudo muito parecido.
Então, para entender o que aconteceu, precisamos entender os ecossistemas. Para isso, o futuro vai envolver estudos globais comparativos que juntem os especialistas em dinossauros com os paleobotânicos, com os geoquímicos, que vão ajudar a entender o ciclo do oxigênio, do carbono etc.
Isso também poderá indicar por que esse gigantismo aparece naquele momento preciso e por que, depois do Patagotitan, o tamanho corporal dos titanossauros da América do Sul acaba diminuindo bastante.
P.- Como brasileiro, é difícil não sentir uma pontinha de inveja diante dos fósseis espetaculares da Patagônia. Quais fatores explicam a riqueza paleontológica da região?
DP- Bem, a América do Sul é um continente enorme, gigante, e creio que, quanto mais adquirimos conhecimento sobre o Cretáceo, mais nos damos conta de que existem diferenças biogeográficas naturais. Então, a fauna do Cretáceo Superior da Patagônia e a do Brasil são bastante parecidas, mas não são iguais, e devem ter havido restrições climáticas e ambientais por trás disso.
Agora, é claro que na Patagônia a exploração paleontológica é mais fácil, encontrar afloramentos não é difícil porque não há vegetação. Mas o Brasil é um país gigante e realmente estou fascinado com o que aconteceu na última década aqui.
Creio que o futuro das descobertas em território brasileiro é tão promissor quanto o da Patagônia. Primeiro pela extensão e riqueza geológica do país e, em segundo lugar, porque a comunidade paleontológica do Brasil cresceu muito, com muitíssimos pesquisadores jovens que são excelentes, o que vai resultar num incremento significativo e um papel de primeiro plano no cenário mundial.
P.- É comum que as pessoas enxerguem os dinossauros como mera curiosidade ou como algo que interessa apenas às crianças. Como demonstrar a importância de estudá-los?
DP- Os dinossauros são a face mais visível da paleontologia, e creio que a importância da paleontologia é poder conhecer a nossa história e como foram as crises de biodiversidade do passado.
Trata-se de uma história de mudanças constantes, de processos de diversificação, de alterações climáticas. O registro fóssil nos brinda com a oportunidade de estudar milhares de crises de biodiversidade como a que estamos vendo hoje em dia, com os padrões de extinção e recuperação, as velocidades de recuperação dos ecossistemas, a seletividade das extinções.
E hoje estamos diante de uma crise da biodiversidade que, se não coloca em risco toda a espécie humana, certamente é um risco para boa parte da população. Ignorar a história é muito perigoso, tanto no caso da história humana quanto no da história do planeta.
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