SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) - O vídeo de um passageiro do Metrô de São Paulo assistindo a um vídeo pornográfico dentro do vagão chamou atenção no Twitter nesta semana. Nas imagens, o homem aparece sentado em uma cadeira observando cenas explícitas de um ménage à trois. A situação levantou um debate nas redes sociais se o caso seria uma violação à lei. Mas, afinal, a pornografia pode ser considerada crime?

A advogada Marina Ruzzi, do escritório Braga & Ruzzi, especializado em direito das mulheres e desigualdade de gênero, classifica a questão como uma "zona cinzenta".

"Em tese, temos o ato obsceno e o objeto obsceno como crimes. Se formos interpretar de maneira literal, a existência de um sex shop poderia até ser considerada como crime, de acordo com o artigo 234 do Código Penal", disse ela à reportagem.

A norma em questão faz parte do capítulo "do ultraje público ao pudor", que condena "fazer, importar, exportar, adquirir ou ter sob sua guarda, para fim de comércio, de distribuição ou de exposição pública, escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno".

"O Código Penal é de 1940 e reflete uma moralidade muito anterior. No entanto, eu diria que, principalmente com as legislações mais novas, a questão é realmente entender qual é o consentimento das pessoas envolvidas nas gravações, quais foram as condições que foram realizadas as imagens pornográficas. É claro que, no caso de pornografia infantil, isso sempre será crime -e grave.

"O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) qualifica como crime "produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente" com pena de 4 a 8 anos. O armazenamento e a distribuição dessas imagens também são considerados crimes, podendo resultar em até 6 anos de reclusão.

"Na legislação, temos muitas condutas que se configuram como pornografia infantil: desde colocar criança em contato com material pornográfico, ainda que seja um desenho, até realmente o registro de imagem. A ideia é que seja um crime bastante amplo, não apenas para proteger as crianças envolvidas, mas também para combater esse tipo de conteúdo", explica a advogada, informando que muitas plataformas que disponibilizam conteúdos pornográficos apresentam sessões específicas sobre adolescentes.

Já a pornografia envolvendo adultos, Marina ressalta que a Lei Nº 13.718, de 2018, trouxe novos paradigmas para a discussão. A sanção da norma, segundo a advogada, foi uma consequência de debates que emergiram após o caso de um vídeo postado nas redes sociais de uma jovem nua e desacordada em maio de 2016. Nas imagens, um grupo de rapazes, em meio a risadas, toca nas partes íntimas da garota e diz que ela foi violentada por "mais de 30".

"Isso mudou a parte dos crimes sexuais de várias formas", explica a advogada. Após a lei, a implementação do artigo 218-C criminaliza "divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia".

"Quando estamos falando de alguém que fez contrato para atuar em uma gravação pornográfica, que está sendo paga, que consentiu com a imagem, nesse sentido não entraria nessa categoria. No entanto, quando a cena de pornografia não é algo consentido, aí temos uma violação", diz a advogada.

Marina, que defende mulheres que são vítimas do crime de pornografia de vingança, categoria incluída no Código Penal por meio da lei de 2018, explica que é muito comum encontrar em sites de conteúdo pornográfico o gênero "spy cam" (câmera espiã, em tradução livre).

"Existe uma área dentro desses sites que é muito grande, que eles classificam como conteúdo amador. Basicamente são pessoas que não sabem que estão sendo filmadas em momentos íntimos ou durante um ato sexual. Nesse caso, há dois crimes: a do registro e a da divulgação dessas imagens", explica.

São imagens que podem ser desde um vizinho gravando a vizinha tomando banho, ou um homem gravando a calcinha de uma passageira no transporte público. Ainda pode ser de um namorado que registra a namorada enquanto eles estão em ato sexual, mas ela não sabe que o momento íntimo está sendo gravado, ou mesmo um nude enviado especificamente para alguém, mas que acaba espalhado pela internet. As pessoas sobem esses conteúdos nas plataformas, em sites pornográficos. Quem faz isso pode ser condenado pelo crime de registro e divulgação. Agora, quem pega essas imagens e compartilha, mesmo que em um grupo de WhatsApp, pode estar incorrendo nesse crime de divulgação, ainda que não necessariamente seja o responsável pelo registro.

De acordo com a advogada, a pena para crimes assim pode chegar até a 5 anos de reclusão e ela pode ser aumentada "se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação."

Marina conta que já atendeu clientes que tiveram vídeos íntimos expostos em sites pornográficos. "Eu já tive entrar em sites pornográficos e vi que a grande parte deles são violentos e criminosos, tanto em relação a estes conteúdos de 'novinha', que podem ser considerados pornografia infantil, quanto pelos conteúdos frutos de violência", relata.

A advogada ainda afirma que nem sempre as vítimas tomam conhecimento das imagens que estão na internet. "Como nesses sites há mecanismos de divulgação e reprodução de conteúdo que espalha para outros sites, inclusive fora do país, existe um trabalho extenso da vítima de descobrir onde estão divulgando estas imagens", diz ela.

"Nem sempre a vítima é brasileira, mas acredito que é necessário uma investigação por parte das autoridades para fazer uma varredura e apreender essas imagens."

A VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA A MULHER NO BRASIL

No primeiro semestre de 2020, foram registrados 141 casos de estupro por dia no Brasil. Em todo ano de 2019, o número foi de 181 registros a cada dia, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Em 58% de todos os casos, a vítima tinha até 13 anos de idade, o que também caracteriza estupro de vulnerável, um outro tipo de violência sexual.

COMO DENUNCIAR VIOLÊNCIA SEXUAL

Vítimas de violência sexual não precisam registrar boletim de ocorrência para receber atendimento médico e psicológico no sistema público de saúde, mas o exame de corpo de delito só pode ser realizado com o boletim de ocorrência em mãos. O exame pode apontar provas que auxiliem na acusação durante um processo judicial, e podem ser feitos a qualquer tempo depois do crime. Mas por se tratar de provas que podem desaparecer, caso seja feito, recomenda-se que seja o mais próximo possível da data do crime.

Em casos flagrantes de violência sexual, o 190, da Polícia Militar, é o melhor número para ligar e denunciar a agressão. Policiais militares em patrulhamento também podem ser acionados. O Ligue 180 também recebe denúncias, mas não casos em flagrante, de violência doméstica, além de orientar e encaminhar o melhor serviço de acolhimento na cidade da vítima. O serviço também pode ser acionado pelo WhatsApp (61) 99656-5008.

Legalmente, vítimas de estupro podem buscar qualquer hospital com atendimento de ginecologia e obstetrícia para tomar medicação de prevenção de infecção sexualmente transmissível, ter atendimento psicológico e fazer interrupção da gestação legalmente. Na prática, nem todos os hospitais fazem o atendimento. Para aborto, confira neste site as unidades que realmente auxiliam as vítimas de estupro.


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