SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Instituto Onça-Pintada, em Goiás, e seus donos foram da popularidade, com mais de 18 milhões de seguidores -considerando a soma das contas em redes sociais dos membros da família-, visualizações e likes, para o forte escrutínio público e o silêncio nas redes, que já dura semanas.

É provável que você já tenha já cruzado com imagens ou vídeos de animais selvagens interagindo com pessoas e até com crianças. Entre elas, não seria surpreendente que alguma tivesse origem no instituto tocado por Leandro Silveira e Anah Tereza de Almeida Jácomo, sua esposa. Nas redes sociais, eles ganharam popularidade pelas imagens em que os animais selvagens estão por perto deles.

Porém, recentemente, também chamaram a atenção devido a multas aplicadas pelo Ibama ao instituto que somam R$ 452,5 mil. Outra, mais antiga, é de R$ 1.500. Entre as causas, além das mortes de 72 animais e acusações de maus-tratos, está a exposição de bichos, que, muitas vezes, aparecem em vídeos perto do casal.

A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás disse ainda não ter sido notificada das fiscalizações no instituto e que realizou inspeções recentemente no local, que teria condições satisfatórias.

À reportagem, o MPF afirmou que, após receber do instituto informações que havia requisitado, pediu arquivamento dos autos na seara criminal e, na esfera cível, solicitou uma perícia presencial.

De toda forma, o contato humano muito próximo com bichos selvagens pode ser problemático, segundo quatro especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo, que preferiram não se identificar, e manuais conservacionistas internacionais.

Apesar das críticas, eles também destacaram o papel que Leandro e Anah têm no universo de um dos mais emblemáticos -e ameaçados- animais do Brasil.

Um dos pontos positivos citados é a iniciativa de conexão com proprietários rurais para evitar que as onças-pintadas fossem mortas.

Leandro também é um dos muitos pesquisadores da espécie citados no Plano de Ação Nacional para Conservação da Onça-Pintada. Um dos especialistas relatou à reportagem ter tido contato com uma onça proveniente do instituto e atestou que o animal tinha a saúde em dia e era bem tratado.

Mas qual pode ser o problema de postar fotos de carícias, brincadeiras e contato entre animais silvestres e humanos?

Uma das principais críticas em relação às ações atuais do instituto de Leandro e Anah seria uma exposição excessiva dos bichos, motivo por trás de uma das multas aplicadas pelo Ibama.

Pelas facilidades atuais de viralização e até banalização nas redes sociais, segundo os especialistas ouvidos pela Folha, imagens de grande proximidade com bichos silvestres podem ser entendidas como uma perigosa mensagem: a de que animais selvagens poderiam ser pets.

O instituto rebateu, em nota à Folha, essa visão: "Acreditamos que as pessoas não são tão ingênuas ao ponto de acharem que, porque estão vendo alguém com uma onça-pintada, uma anta, um tamanduá-bandeira, um chimpanzé ou um elefante, significa que pode entrar num petshop e comprar um".

Em um vídeo de poucos meses atrás, Leandro disse tratar os animais com respeito e que não tem total domínio sobre eles, o que afastaria, a seu ver, a ideia de que seriam pets.

O contato mostrado nas imagens também pode levantar uma questão conservacionista sobre a possibilidade de soltura dos animais. De modo geral, quanto menor a convivência dos felinos selvagens -e de diversas outras espécies- com humanos, maiores são as chances de sucesso na reintrodução à natureza. É o que apontam experiências internacionais e os especialistas ouvidos.

À Folha de S.Paulo, o instituto afirmou que, com os vídeos e fotos publicadas em redes sociais, a ideia é conseguir pôr em prática o conceito de "embaixadores da espécie", atrair atenção e transmitir emoção.

O olhar da população, logicamente, pode ajudar no financiamento e manutenção de projetos de conservação. O Onça-Pintada, por exemplo, além de disponibilizar os seus dados bancários para doações, monetiza suas redes sociais -esta última resulta, por mês, em pouco mais de R$ 10 mil, quantia que fica longe das necessidades financeiras para a manutenção do criadouro, diz a entidade.

De toda forma, há manuais e pesquisas que tratam com preocupação a exposição massiva de imagens de bichos selvagens em contato com humanos, citando, como um dos possíveis problemas, o tráfico de espécimes.

O receio consta, inclusive, nas diretrizes de boas práticas sobre imagens de primatas não-humanos feitas por especialistas da IUCN (sigla em inglês para União Internacional para Conservação da Natureza), respeitada entidade internacional responsável pela lista de espécies ameaçadas no mundo.

A diretriz reconhece que imagens podem atrair muita atenção para uma causa, mas ressalta como as redes sociais podem facilmente prejudicar o contexto do que é apresentado. O guia, por exemplo, recomenda que não sejam postadas fotos com primatas nos braços de cuidadores -algo que pode ser encontrado nas redes do Onça-Pintada, que cuida de outros animais além do bicho símbolo da instituição.

Há ainda a questão, no meio conservacionista, sobre quanto o contato com o humano pode ser nocivo ao bem-estar de um animal selvagem. Um dos especialistas que a reportagem ouviu defende que o "amansamento" pode comprometer o bem-estar do bicho.

O contato direto visa acalmar os animais selvagens, segundo o instituto, que diz que, "se não condicioná-los para serem "calmos", eles sofrerão desnecessariamente".

Além disso, de acordo com os especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo, outro motivo para "amansar" um animal selvagem é facilitar o manejo no dia a dia, como tratamentos veterinários.

O guia de cuidados da AZA (Associação de Zoológicos e Aquários) desencoraja fortemente a presença de pessoas no mesmo recinto que onças-pintadas mais velhas do que seis meses.

O mesmo manual aponta que o mais importante componente para lidar com esses animais seria uma estável relação de longo prazo entre as onças e seus tratadores -algo que, inquestionavelmente, Leandro e sua família mantêm com os animais do instituto-, o que pode ser feito com reforços positivos (como dar petiscos conforme o animal realiza ações desejadas), alimentação e até mesmo ações táteis.

Para isso, porém, não necessariamente é preciso "amansar" uma onça com contatos muito próximos e desprotegidos. A facilitação do acesso pode ser alcançada pelo que é conhecido como condicionamento operante -algo que poderia ser traduzido como um adestramento do grande bichano- e que vem sendo mais utilizado.

O Instituto Onça-Pintada afirma ter desenvolvido um método próprio e bem-sucedido. "Nenhum outro lugar no mundo reproduz onça-pintada como o IOP, e [...] isso se deve pelo [sic] 'condicionamento operante' que é realizado aqui", disse em nota a entidade.

Quem já viu, pelo menos um pouco, do dia a dia do instituto diz que Leandro parece ter percepção e controle bons sobre os animais com os quais lida. O próprio biólogo diz, em um vídeo, que os abraços, beijos e brincadeiras são reservados para uma fase da vida das onças, antes da maturidade sexual, porque esse seria o comportamento que elas teriam com as próprias mães.


Entre na comunidade de notícias clicando aqui no Portal Acessa.com e saiba de tudo que acontece na Cidade, Região, Brasil e Mundo!