SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Vendedora de loja em uma galeria na rua 15 de Novembro, Maria Isabel Ferraz, 26, vê o calçadão molhado pela chuva em frente e lembra que quase levou um tombo ali.
"Isso quando a gente não tropeça", diz ela, à espera de que o risco possa diminuir a partir da segunda quinzena de outubro, quando a Prefeitura de São Paulo pretende iniciar a revitalização do triângulo histórico da capital paulista, circundado pelas ruas Boa Vista, Líbero Badaró e Benjamin Constant.
A promessa de reforma, que se arrasta há cerca de cinco anos, desde a gestão João Doria (PSDB) na prefeitura, tem a controversa troca dos mosaicos de pedras portuguesas por concreto nos calçadões do centro histórico. Visualmente, as vias internas do triângulo serão semelhantes às do vale do Anhangabaú, com obras igualmente polêmicas, entregues no ano passado.
As pedras portuguesas foram colocadas durante a implantação dos calçadões em meados da década de 1970. Por motivos que vão da falta de manutenção a intervenções irregulares no calçamento para serviços, a deterioração se espalha pelas vias para pedestres do centro histórico.
Na rua da Quitanda, grandes granitos hoje ocupam espaço de quadrados de pedras, deixando o calçadão totalmente desigual. Há buracos perigosos na rua Anchieta, em frente ao Pateo do Collegio, ou na calçada da praça da Sé. É preciso cuidado para não chutar as inúmeras pedras soltas pelas vias.
"Mesmo assim deveriam é arrumar, pois deve fazer parte da história", afirma o balconista de lanchonete Jorge Antonio Brito, 44, sendo dez deles trabalhando no centro histórico.
Marcos Monteiro, secretário municipal de Infraestrutura Urbana e Obras, e presidente da SPObras, empresa ligada à prefeitura, nega a questão histórica e lista uma série de argumentos para a troca pelo concreto -as pedras portuguesas serão transformadas em material de construção civil.
O primeiro deles é que a manutenção atualmente é cara. Depois, cita melhora na acessibilidade e na segurança e diz que o piso atual não suporta mais o trânsito de caminhões que circulam pelos calçadões à noite.
"Vários arquitetos que estudaram esse projeto e entenderam que o concreto oferece melhor condição de mobilidade e durabilidade", afirma.
"É uma lástima que a pedra portuguesa tenha se transformado em um problema", afirma o professor José Geraldo Simões Júnior, da pós-graduação em arquitetura e urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, que teve o centro de São Paulo como tema de sua tese de doutorado. Ele acredita, entretanto, que a revitalização vai melhorar o padrão estético e seguir legislações de acessibilidade.
No material informativo sobre o projeto, a SPObras afirma que há uma estimativa de 5.400 quedas de pessoas registradas por ano nos calçadões, com um custo de R$ 31 milhões por ano, quase metade dos R$ 63 milhões que a prefeitura planeja pagar pela revitalização, com prazo de 22 meses para ser concluída. Parte do processo de licitação foi concluído há duas semanas e outra está na fase de recursos.
As obras serão divididas em duas etapas, com entrega estimada em 11 meses cada uma. A primeira vai contemplar os calçadões. A segunda, as ruas perimetrais do anel externo, que terão reformas de calçada e asfaltamento.
O projeto prevê ainda instalação de indicação turísticas e de trajetos com mapas. A sinalização terá mesa tátil e informação de prédios históricos -nestes locais, o projeto prevê totens com QR codes para informações.
Os atuais bancos, muitos deles pichados, serão substituídos por mobiliário reestilizado. Também serão trocadas lixeiras e instalada nova iluminação, inclusive cênica, nos locais considerados históricos.
As obras começarão pelo subsolo. Será feita uma reestruturação da infraestrutura subterrânea de drenagem de água de chuva, intervenção importante, principalmente, porque as pedras portuguesas cumprem parte desse papel.
Também serão construídas valas técnicas para melhorar o ordenamento das redes de telecomunicações e passagem de cabos. Caixas de inspeção serão espalhadas pelos calçadões.
No projeto há, inclusive, orçamento previsto para pagamento de R$ 24 milhões para a Enel, concessionária fornecedora de energia.
A reorganização do subsolo e a forma como prestadoras de serviço e a própria prefeitura vão acessar o que está embaixo de onde as pessoas passam é que vão determinar o sucesso do projeto no futuro, segundo especialistas ouvidos pela Folha.
O arquiteto José Eduardo de Assis Lefèvre, professor da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da USP (Universidade de São Paulo), lembra que a prefeitura precisa se preocupar também com o acesso às redes de água, esgoto e gás, e não apenas às de energia e comunicação.
"A questão dos calçadões é complexa, envolve fatores institucionais, culturais e de regulamentação de serviços", afirma o arquiteto, que trabalhou durante cerca de 30 anos na Emurb (Empresa Municipal de Urbanismo) e foi um dos responsáveis por projetos de calçamento na praça da Sé e no viaduto Santa Ifigênia, também no centro.
Defensor dos mosaicos, Lefèvre afirma que a administração pública precisa pensar no desenho do piso, pois ele permite uma importante integração com a composição do ambiente.
Calçamentos de locais históricos serão preservados, como no Pateo do Collegio e na praça do Patriarca. O interior da praça da Sé também vai continuar como está.
Os calçadões não são tombados pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico). Mas por estarem em área cercada de bens protegidos, o projeto de intervenção teve de ser avaliado pelos conselheiros.
ONDE HAVERÁ INTERVENÇÃO
Calçadões
Praça Ouvidor Pacheco e Silva Rua São Bento Rua José Bonifácio Rua Quintino Bocaiúva Rua Senador Paulo Egídio Rua Barão de Paranapiacaba Rua Direita Rua 15 de Novembro Praça Manoel da Nóbrega Rua Álvares Penteado Rua Miguel Couto Rua da Quitanda Rua Anchieta Rua do Tesouro Rua do Comércio Largo da Misericórdia Rua São João
Perimetrais
Rua Líbero Badaró Largo São Francisco Rua Benjamim Constant Praça da Sé Pátio do Colégio Rua Boa Vista O que será feito
Reforma dos pavimentos das calçadas e calçadões Implantação de acessibilidade universal Sinalização turística Instalação de mobiliário urbano Nova iluminação funcional e cênica Reestruturação da infraestrutura subterrânea de drenagem Implantação de valas técnicas para ordenamento das redes de telecomunicações
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