SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Às quintas-feiras, um grupo de cinco crianças e adolescentes se reúne em uma sala do Clube da Comunidade do Itápolis, no Jardim São Gabriel, zona leste de São Paulo, e calça suas luvas de boxe.

São jovens de baixa renda, moradores do entorno do clube, que, durante uma hora, vão aprender as técnicas do pugilismo e treinar golpes com os colegas. Isso sob a tutela do professor Maurício Monteiro, boxeador, ex-presidiário e sobrevivente do massacre do Carandiru, que completa 30 anos neste domingo (2).

As aulas fazem parte do projeto Boxe Vencedores, do Instituto Resgata Cidadão (Irec). A ONG, criada pela própria família de Monteiro, trabalha com a promoção da cultura, do esporte e da educação em favelas da zona leste.

Pela prática esportiva, o boxeador quer oferecer aos jovens um caminho diferente do qual trilhou. Em 1986, quando tinha 17 anos, Monteiro teve um irmão, dois anos mais velho, morto pela polícia em um suposto assalto na avenida dos Latinos, no Jardim Santa Terezinha.

"Eu fiquei revoltado. Nunca foi provado que foi mesmo um assalto. E, se foi, ele não precisava ter sido morto", relata. Monteiro entrou no crime pouco depois. Foi preso nos anos 1990 por sequestro seguido de extorsão e levado para o Carandiru. Teve a pena agravada quando, mesmo dentro do presídio, foi acusado e condenado pelo assassinato de um homem numa padaria.

Segundo o ex-detento, na manhã de 2 de outubro de 1992, dia do massacre, a tensão rondava entre os presos, mas nada que não fosse rotineiro. "Estamos falando de um presídio onde matavam três, quatro presos por dia. Isso sem contar aqueles que morriam por doenças", diz.

Naquele dia de outubro, há 30 anos, uma briga entre detentos deu início a uma rebelião. Ao todo, segundo investigação da polícia, 111 presos foram mortos durante o motim e a ação da Polícia Militar em quatro pavimentos do pavilhão 9. Setenta e quatro policiais militares foram condenados a penas que variam de 48 a 624 anos. Como o processo ainda não transitou em julgado, porque ainda cabem recursos, os PMs condenados recorrem em liberdade.

Na invasão, um policial entrou na cela do terceiro andar onde estava Monteiro e apontou um revólver para o seu rosto. O ex-detento diz que só não foi morto porque um outro tenente entrou no xadrez gritando "aqui não, aqui não" e mandou os presos descerem nus até o pátio.

No caminho, além de dezenas de corpos, Monteiro viu um colega ser esfaqueado na sua frente por um militar. Dois meses depois, foi transferido para a Penitenciária do Estado, que é hoje a Penitenciária Feminina da Capital.

Nos 16 anos que passou preso, fugiu duas vezes e foi recapturado. Por volta de 2005, recebeu numa visita um cutucão da namorada com quem se relacionava havia três meses. "Você é um cara inteligente. Você sabe que se fugir, vai entrar de novo por essa porta. Por que você então não escolhe entrar por outras portas?", disse a companheira, que está com Monteiro até hoje.

Embora já praticasse boxe vez ou outra na prisão, o ex-detento começou a se dedicar ao esporte quando saiu do cárcere em 2011 e passou a acompanhar um dos filhos nas aulas de jiu-jítsu numa academia onde também treinavam pugilistas.

Depois, passou a competir nos campeonatos entre as academias, como o Festival de Lutas do CTTW e os Campeonatos de Boxe Gracie para alunos. O saldo das nove lutas que ganhou, incluindo um nocaute, ele exibe nos cinturões e medalhas expostos na sede do Resgata Cidadão.

Ele parou de competir quando perdeu um dente em um combate. Decidiu então dar aulas, mas acabava competindo com os alunos. Fez cursos para aprender a ensinar e hoje faz faculdade de educação física para melhorar o condicionamento físico das crianças.

Os jovens têm entre 9 e 19 anos e estão em um contexto de alta vulnerabilidade social. "Muitas vezes os pais têm problemas com bebida ou drogas, ou estão presos", diz Monteiro. O boxeador conta que, certa vez, quatro alunos seus foram presos quando iam juntos a uma vendinha comprar refrigerante. Acusados pela polícia de assaltarem um Uber, foram enviados para um centro de detenção provisória. Nada provado, ganharam a liberdade meses depois.

Mas Monteiro diz também que enfrenta estigmas relacionados ao boxe. "Embora movimente muito dinheiro, ainda é um esporte discriminado. Um dia, fui numa escola particular. Ofereciam todas as modalidades, menos boxe e capoeira", relata Monteiro.

O número de alunos envolvidos no projeto, que já chegou a agregar mais de 40 meninos e meninas, caiu drasticamente na pandemia. As aulas foram retomadas há pouco mais de um mês, mas o boxeador quer voltar a encher a sala de pequenos pugilistas.

"Se eles foram 'socializados', ou seja, tiverem seus direitos garantidos, nunca precisarão ser ressocializados. O esporte tira essa molecada da droga, tira essa molecada do crime. É uma porta, tá ligado?", diz.


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