OXFORD, REINO UNIDO (FOLHAPRESS) - "Esse dinheiro não apenas tornará nosso planeta mais limpo, mais verde e mais seguro, mas também nos poupará dinheiro a longo prazo, tanto por meio dos empregos verdes quanto do que não precisaremos gastar em respostas humanitárias no futuro", afirmou Samantha Power, chefe da Usaid (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional), no lançamento da nova estratégia climática do órgão.

"Sabemos que cada dólar investido em adaptação às mudanças climáticas pode render de US$ 2 a US$ 10 em benefícios. Portanto, implementar essa estratégia não é apenas a coisa necessária a fazer, é também a decisão mais econômica e inteligente a ser feita", completou ela, que foi embaixadora dos EUA na ONU de 2013 a 2017, no governo de Barack Obama.

O plano, anunciado em abril, conta com um orçamento de US$ 600 milhões e inaugura a intenção de transformar a Usaid em uma agência climática. À frente desse projeto está Gillian Caldwell, diretora de assuntos climáticos.

A estratégia estabelece metas ambiciosas, como alcançar até 2030 a redução das emissões de carbono em 6 bilhões de toneladas. "Isso equivale a quase todas as emissões dos EUA num ano inteiro", diz à Folha de S.Paulo Caldwell, que já foi CEO da ONG Global Witness e liderou a campanha 1Sky, responsável pela mobilização de mais de 600 entidades para aprovar leis sobre clima nos EUA.

Para isso, além da gestão de projetos em diversos países e da mobilização de múltiplos setores do governo americano, faz parte da estratégia dar assistência técnica também ao setor privado. A ideia é que investidores tenham acesso a projetos confiáveis relacionados às mudanças climáticas. Assim, como um todo, a meta é mobilizar US$ 150 bilhões para financiamento climático até 2030, incluindo aportes públicos e privados.

Apesar da cifra elevada, Caldwell pondera que são necessários "de US$ 3 trilhões a US$ 5 trilhões por ano até 2030 para atender às necessidades globais de mitigação e adaptação". "Precisamos acelerar substancialmente os investimentos", alerta.

Outros objetivos são aumentar a resiliência e a capacidade adaptativa de 500 milhões de pessoas no planeta, especialmente de povos indígenas, mulheres e jovens, e promover a conservação, o uso sustentável e a restauração de 100 milhões de hectares de locais que são grandes estoques de carbono, como é o caso da Amazônia.

No Brasil, a Usaid mantém projetos em parceria com o governo federal e gestões estaduais. "No ano passado, nossas ações na área de biodiversidade no Brasil protegeram habitats de espécies ameaçadas de extinção e geraram impactos positivos em 45 milhões de hectares de terras em todo o país. Para fins de comparação, é uma área maior que a Califórnia", conta Caldwell.

Na entrevista, a gestora também comenta, entre outros pontos, a Lei de Redução da Inflação, pacote ambiental recém-lançado pelo governo Biden.

PERGUNTA - Quais são os principais objetivos da nova estratégia climática da Usaid?

GILLIAN CALDWELL - Ela foi lançada nos EUA no Dia da Terra, 22 de abril, e permanecerá em vigor até 2030. Trata-se da estratégia mais ambiciosa que a Usaid já lançou para tentar enfrentar a crise climática. De fato, todos os órgãos do governo Biden estão sendo encorajados a adotar uma postura mais ambiciosa em relação à mitigação e adaptação climáticas.

Portanto, a estratégia estabelece uma série de metas muito ambiciosas e de alto nível a serem alcançadas até 2030, como, a redução das emissões de carbono em 6 bilhões de toneladas. Isso equivale a quase todas as emissões dos EUA num ano inteiro. Além disso, muito será realizado por meio de soluções baseadas na natureza. Queremos proteger e preservar 100 milhões de hectares de paisagens com grande estoque de carbono.

Ademais, por meio da iniciativa Prepare de adaptação e resiliência, promovida pelo presidente [Biden], da qual a Usaid é a implementadora líder, queremos aumentar a resiliência e a capacidade adaptativa de meio bilhão de pessoas em todo o mundo.

Por fim, queremos garantir intervenções capazes de mudar os sistemas em pelo menos 40 países ao redor do mundo, para aumentar a participação de comunidades marginalizadas, tais como povos indígenas e comunidades locais, mulheres e jovens.

P.- Qual é o orçamento que vocês têm para implementar a estratégia?

GC- O orçamento total da Usaid é de cerca de US$ 25 bilhões para o exercício financeiro atual. [Samantha] Power, nossa administradora, repetidamente se refere à Usaid como uma agência climática, então, em certo nível, estamos pensando no que podemos fazer com esses US$ 25 bilhões. O orçamento especificamente destinado a questões climáticas está na casa de US$ 600 milhões.

P.- Como a senhora pretende trabalhar com países como o Brasil para a conservação dos 100 milhões de hectares?

GC- Já somos muito ativos no Brasil. No ano passado, nossas ações na área de biodiversidade no Brasil protegeram habitats de espécies ameaçadas de extinção e geraram impactos positivos em 45 milhões de hectares de terras em todo o país. Para fins de comparação, é uma área maior que a Califórnia.

Também estamos contribuindo para evitar mais de 300 milhões de toneladas métricas de emissões de gases de efeito estufa. Além disso, fortalecemos a gestão de 189 áreas protegidas no Brasil, 83% das quais são territórios indígenas e quilombolas.

Em termos gerais, conforme já mencionei, a estratégia climática enfatiza o envolvimento de povos indígenas e comunidades locais em todo o nosso trabalho de formulação [de políticas e programas]. Isso se deve ao fato de as comunidades indígenas cuidarem das paisagens mais importantes do mundo em termos de estoque de carbono.

P.- O atual desmantelamento das políticas ambientais brasileiras afeta o que a Usaid vem tentando fazer no país?

GC- Bem, nós temos uma cooperação com o governo brasileiro para proteger a biodiversidade. Nosso foco é colaborar não apenas com o governo federal, mas também com os governos subnacionais e regionais no Brasil, que é onde temos uma colaboração mais próxima.

P.- Na sua opinião, como a agenda de adaptação e resiliência deve ser modificada ou atualizada, considerando os últimos eventos climáticos extremos observados no mundo todo?

GC- Os impactos da crise climática estão sendo sentidos de forma muito intensa em todo o mundo, ainda mais do que haviam previsto os cientistas. Sabemos que as consequências serão desastrosas. Basta ver o que está acontecendo no Paquistão, onde níveis recorde de monções deixaram mais de um terço do país debaixo d'água.

Portanto, a necessidade é urgente, tanto de reduzir as emissões e evitar as piores consequências da crise climática quanto de ajudar as comunidades a aumentar sua resiliência e capacidade de adaptação. É por isso que a Usaid trabalha em ambas as frentes: mitigação e adaptação.

Na iniciativa Prepare, que é nosso plano emergencial de adaptação e resiliência, temos três focos. O primeiro é apoiar o trabalho de cientistas e meteorologistas, tomadores de decisão e comunidades para fortalecer os sistemas de alerta precoce e outros serviços de informação climática. Isso está de acordo com o apelo do secretário-geral da ONU [o português António Guterres] por alerta antecipado para todos.

Muitas comunidades não são alertadas sobre eventos climáticos e meteorológicos extremos que podem ameaçar suas vidas e meios de subsistência. Mesmo 24 horas de antecedência são capazes de reduzir substancialmente os riscos e as perdas de vidas e meios de subsistência.

Em segundo lugar, estamos apoiando iniciativas locais para integrar boas práticas de adaptação climática às políticas de planejamento e aos orçamentos nacionais e locais. Quando examinamos as políticas de planejamento e os orçamentos de infraestrutura, saúde, segurança hídrica e alimentar, deslocamentos e migração, percebemos que os riscos climáticos nem sempre são abordados de forma sistemática. Por isso, estamos fornecendo conhecimentos técnicos para garantir que as análises climáticas sejam incorporadas ao modelo de todos esses programas.

Em terceiro lugar, queremos realmente tentar eliminar o déficit em investimentos financeiros e adaptação climática. Nossa meta é catalisar US$ 150 bilhões em financiamento público e privado, e uma grande ênfase deve ser dada à adaptação. O setor privado está começando a investir em respostas climáticas, especialmente na mitigação. Contudo, apenas 3% dos recursos privados são destinados a ações de adaptação.

Sabemos que precisamos de US$ 3 trilhões a US$ 5 trilhões por ano até 2030 para atender às necessidades globais de mitigação e adaptação. Precisamos acelerar substancialmente os investimentos.

P.- Como está, até o momento, a implementação do plano internacional de financiamento climático?

GC- Estamos nos concentrando em quatro áreas principais. A primeira é fornecer assistência técnica e desenvolvimento de "pipelines" para garantir que o setor privado tenha acesso a projetos confiáveis e capazes de receber investimentos em mitigação e adaptação.

Se observarmos a proliferação global de compromissos relativos a zerar as emissões líquidas -em Glasgow [na Escócia, onde foi realizada a última conferência do clima da ONU, a COP26, em 2021] e além-, veremos que há bilhões de dólares em recursos do setor privado disponíveis, apenas aguardando a oportunidade certa para que sejam investidos em projetos climáticos positivos. Muitos investidores do setor privado dirão que simplesmente não há projetos suficientes com a credibilidade ou a integridade que eles buscam.

A segunda área tem a ver com o que chamamos de ambiente propício. Em outras palavras, ajudar os governos a aumentar o investimento, garantindo que haja políticas e incentivos fiscais adequados em vigor. É pouco provável que alguém consiga estimular investimentos em economias de energias renováveis sem fornecer créditos fiscais, como os que a Lei de Redução da Inflação nos EUA acaba de oferecer.

Os US$ 369 bilhões que a Lei de Redução da Inflação de 2022 direcionou para a transição das energias renováveis já deram resultados. Estamos vendo bilhões de dólares em novos compromissos.

A terceira é usar nosso poder de mobilização para reunir uma diversidade de partes interessadas -governos, investidores do setor privado ou instituições multilaterais como o Banco Mundial- para realmente garantir que estejamos unindo forças para maximizar nosso potencial de investimento.

Por fim, estamos ampliando o uso de ferramentas financeiras inovadoras. Como um órgão público de desenvolvimento internacional, obviamente temos condições de fornecer subsídios capazes de reduzir os riscos de investimentos do setor privado. O que queremos fazer é fornecer capital concessional que reduza a percepção de riscos e aumente o retorno potencial dos investimentos do setor privado.

P.- O presidente Biden estava disposto a mobilizar mais de US$ 11 bilhões em financiamento climático para países em desenvolvimento, o que não foi possível, como sabemos. Na sua opinião, como mobilizar fundos para a crise climática neste momento tão crucial e tão desafiador?

GC- O presidente Biden se comprometeu a quadruplicar o financiamento climático dos EUA e chegar a US$ 11,4 bilhões até 2024, e esse compromisso permanece firme. Obviamente, precisamos do apoio do Congresso para conseguirmos fazer isso.

Se houver dotação orçamentária, o que também depende do Congresso, o orçamento da Presidência para o exercício financeiro de 2023 -um ano antes da meta prometida de 2024- seria capaz de cumprir a promessa por meio de uma combinação de financiamento direto e indireto.

Além disso, precisamos trabalhar em conjunto com nossos aliados para cumprir a promessa feita no Acordo de Paris, de US$ 100 bilhões anuais para mitigação e adaptação climáticas em países em desenvolvimento. Isso ainda não é, nem de longe, o suficiente, mas ainda temos que atingir essa meta, que é muito importante.

P.- Qual a sua opinião sobre o mercado voluntário de carbono? Ele é considerado por certas pessoas uma fonte de financiamento importante, enquanto, para outras, é prejudicial para as comunidades locais e ineficaz para a redução de emissões?

GC- Bem, creio que os mercados de carbono constituem uma das muitas ferramentas para catalisar todas as mudanças necessárias. É inegável que, em certas situações, os mercados de carbono se mostraram ineficazes na mobilização de financiamento para as comunidades locais ou na geração de benefícios reais de conservação.

Ao mesmo tempo, o mercado voluntário de carbono está crescendo exponencialmente. Em 2021, já era avaliado em US$ 2 bilhões. Então precisamos achar a solução certa: isso já está acontecendo, quer você queira, quer não.

Meu foco é garantir que ele seja o mais íntegro e equitativo possível. Precisamos de dados e monitoramento transparentes para garantir que as reduções de emissões sejam reais e que os fundos gerados por meio das reduções de emissões realmente beneficiem as comunidades locais.

RAIO-X

Gillian Caldwell, 56

Com formação nas universidades Harvard e Georgetown, é advogada, ativista e cineasta. Atualmente é diretora para assuntos climáticos da Usaid (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional), além de administradora-adjunta do órgão. Antes, foi CEO da ONG Global Witness. De 2007 a 2010, foi diretora da campanha 1SKy, iniciativa de mais de 600 organizações para aprovar a legislação climática nos EUA. Caldwell já recebeu diversos reconhecimentos no setor de empreendedorismo social, incluindo o Prêmio Skoll.


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