SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Alunos das escolas municipais de Caxias do Sul (RS), cidade com população majoritariamente branca, passaram a ter discussões voltadas para a promoção de relações étnico-raciais. As ações, outrora pontuais, foram integradas ao currículo escolar no ano passado.
Integrantes do Querer (Qualificar a Educação para as Relações Étnico-Raciais), núcleo da Secretaria Municipal de Educação, elaboram atividades temáticas a cada dois meses para as escolas desenvolverem ao longo do bimestre.
São rodas de conversa que discutem temas como o racismo e o preconceito contra povos nativos; incentivo à literatura de autores afrodescendentes e indígenas, como Carolina Maria de Jesus e Daniel Munduruku; além da exibição de filmes com protagonismo negro. As aulas de história passaram a discutir figuras invisibilizadas que ajudaram a construir a nação brasileira.
Segundo Paula Martinazzo, diretora pedagógica da secretaria, sua equipe já assumiu a gestão com o desejo de aprofundar esses temas nas 83 escolas de ensino fundamental e nas 48 de educação infantil compartilhadas, que totalizam 42 mil estudantes.
"Embora as questões étnico-raciais já estivessem previstas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, o que de fato ocorria nas nossas escolas eram trabalhos isolados, muitas vezes concentrados na semana da Consciência Negra, em novembro", afirma Paula.
Sophya Domingues Marcos, 13, é aluna do 7º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Ruben Bento Alves e tem descendência negra por parte da mãe. Boa desenhista, ela venceu competição escolar para escolher a logotipo do Querer.
Ela elaborou a imagem de uma efígie feminina negra, de cabeleira espessa adornada por um pente-garfo vermelho, rodeada por uma mandala colorida, referências que ela conheceu nas aulas. "A profe foi me ajudando a melhorar o desenho para chegar no resultado final", afirma Sophya.
De acordo com os dados mais recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), do total da população de Caxias do Sul, em 2010, 82% se declarou branca, 13% parda, 3% preta, 0,41% amarela e 0,11% indígena.
Para a diretora pedagógica, embora a minoria se afirme negra, a realidade nas escolas públicas municipais não é essa. "A gente tem muitos alunos que não se autodeclaram negros ou, mais grave ainda, não se percebem como [negros]."
Paula explica que esses alunos acabam inseridos em uma cultura muito forte e predominante na cidade, a italiana, que não deixa de ser importante, em sua opinião.
"Mas é necessário dar visibilidade a todos os povos que ajudaram a construir a riqueza que é Caxias do Sul, a segunda maior cidade do estado e erguida por muitos povos. A gente quer que a cidade enxergue seus negros, pardos e descendentes indígenas."
As atividades já tiveram um efeito prático sobre os alunos ao preencherem as informações do censo escolar, de acordo a professora Joelma Couto Rosa, assessora pedagógica do núcleo. "Algumas escolas registraram uma média de 30% a 40% de estudantes que se consideram negros ou pardos."
Joelma explica que a atividade mais recente sugerida pelo núcleo foi um vídeo problematizando a presença negra na cultura gaúcha. "A gente quer trazer essa discussão às escolas de forma atualizada e sem tabus."
Ela afirma ainda que as ações étnico-raciais têm como objetivo mapear e trabalhar a identidade dos alunos. Uma das ferramentas utilizadas foi o censo escolar.
"Em março, enviamos uma proposta às escolas: fazer um diagnóstico desses alunos para montar o perfil étnico-racial. Caxias do Sul tem uma presença negra significativa, tem pluralidade, mas que não é expressada por meio dos dados", diz Joelma.
Outra aluna que representa essa pluralidade é Yasmin Zanetti de Brito, 10, do 5º ano da escola Professora Marianinha de Queiroz. Ela frequenta a umbanda em família e seu pai recebe uma entidade indígena. Por essa razão, a garota já tem contato com tambores e outros artefatos dos povos originários.
"Essas aulas têm me ensinado bastante sobre os indígenas. Até discutimos o preconceito que eles sofrem. É um povo que tem que lutar para manter suas raízes", diz Yasmin.
Paula Martinazzo afirma que o interesse da secretaria era que essas temáticas chegassem às escolas de uma maneira lúdica e atrativa não só para os estudantes mas também para os docentes.
Grasiele da Silva, professora de artes de Sophya, diz que o núcleo Querer acrescentou "muita coisa" à escola que, segundo ela, pertence a uma realidade de classe baixa.
"Os alunos ficam entusiasmados com as discussões, todos aprendem. Mas alguns já vêm com preconceitos formados, difíceis de mudar. Após essas ações, a maioria remodelou sua forma de pensar e de agir."
As atividades do Querer também estão sendo aplicadas nas escolas estaduais do Rio Grande do Sul, para turmas dos 8º e 9º anos e do ensino médio.
A coordenadora regional da Comissões Internas de Prevenção de Acidentes e Violência Escolar, Marivane Carvalho, diz que os alunos não diferenciavam bullying e racismo. "Começamos a montar estratégias para lidar com essa situação e nos deparamos com o Querer."
Ela explica que a primeira atividade foi palestra de Joelma, seguida da exibição do filme "Pantera Negra", o que, segunda, ajudou a ampliar conceitos entre os alunos.
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