SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A mortalidade por SIM-P (síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica) de crianças no Brasil é oito vezes a encontrada nos Estados Unidos.
De acordo com os dados divulgados no último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, foram confirmados 1.899 casos de síndrome rara em crianças no país, com 129 óbitos, do início da pandemia até o dia 17 de setembro de 2022.
Já nos EUA, dados levantados pelo CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) apontam 9.006 casos de SIM-P registrados até 3 de outubro de 2022, com 74 mortes.
A taxa de letalidade no Brasil é, assim, de 6,8% -portanto, 8,2 vezes a dos EUA, que é de 0,82% . Em todo o mundo, estudos encontraram uma letalidade de SIM-P entre 1% a 7%, o que estaria de acordo com os dados indicados nos dois países.
A mortalidade no Brasil se concentra principalmente na idade de 1 a 4 anos, com 38 (29,4%) mortes por SIM-P nesta faixa etária -para a qual o governo federal ainda não iniciou a vacinação.
Os dados brasileiros podem, ainda, ser subnotificados, uma vez que o Ministério da Saúde até o momento não apresentou um estudo ou rastreamento de todos os casos de síndrome rara pós-Covid em crianças, lembram especialistas.
"É difícil saber a real dimensão de SIM-P no país. Temos poucos dados de Covid, e menos ainda sobre a síndrome multissistêmica pós-Covid", explica a cardiologista pediátrica Isabela Back.
Pesquisas até agora indicam que a SIM-P, caracterizada por uma reação exacerbada do sistema imunológico que acaba atacando o próprio organismo mesmo após alta da Covid, acomete uma a cada 3.000 crianças.
Além de SIM-P, sequelas cardíacas podem aparecer também em dois outros quadros, explica a cardiologista: Covid longa e durante a própria fase aguda da doença. "Os dados que existem são um número menor de casos, de crianças que foram hospitalizadas com Covid, e nessas 1 em cada mil crianças [0,1%] podem ter quadro cardiovascular."
Back lembra que o país registrou um número muito alto de casos de síndrome respiratória aguda grave (Srag) nos menores que pode ser causada pelo coronavírus, mas o acompanhamento desses casos é insuficiente para dar conta da dimensão. "Algumas crianças podem ter morrido de sequelas cardíacas sem a confirmação do diagnóstico de Covid", diz.
Crianças que tiveram quadro agravado de Covid, especialmente naquelas que foram hospitalizadas, o risco de desenvolver SIM-P ou sintomas de Covid longa é maior.
Nesse último grupo, a possibilidade de aparecerem sequelas cardíacas mesmo meses após a alta hospitalar pode continuar, e pediatras reforçam a importância do acompanhamento médico para avaliar se há danos no coração.
"Os estudos feitos aqui e lá fora já nos mostram que há alterações cardíacas importantes que podem surgir após esses quadros [de SIM-P e Covid longa], então a criança precisa passar por uma avaliação cardiovascular antes de ser liberada para a prática de atividade física", afirma Back.
Um estudo realizado por pesquisadores do Instituto da Criança (ICr) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP apontou que 48% das crianças que foram hospitalizadas no instituto com Covid tinham alterações cardiológicas, e elas eram ainda mais frequentes nas crianças que desenvolveram SIM-P.
Para a cardiologista pediátrica Gabriela Leal, coordenadora do serviço de ecocardiograma do ICr e responsável pelo estudo, não é possível saber ainda se essas mudanças podem persistir e aumentar o risco cardiovascular no futuro.
A Covid pode causar inflamação e obstruções em pequenos vasos que nutrem o músculo do coração. Exames de ecocardiograma convencionais nem sempre conseguem identificar essas sequelas, mas um exame diferenciado, como o utilizado pelos pesquisadores do ICr, sim.
"É importante reforçar que a SIM-P é um evento raro e a letalidade também vai depender muito da condição do local onde a criança recebe atendimento, mas é uma condição potencialmente grave. O que nós queremos alertar é que mesmo as crianças que recebem alta podem ter algum grau de comprometimento, por isso é preciso continuar o acompanhamento", afirma.
Em razão disso, médicos do Departamento de Cardiologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Cardiologia pretendem escrever uma carta científica com algumas diretrizes para acompanhamento dos pacientes pediátricos que tiveram quadro grave de Covid, SIM-P ou sintomas de Covid longa para avaliar os possíveis riscos cardiológicos nesta população.
Os cientistas ainda não sabem se há alguma predisposição genética que pode ser um marcador para risco de sequelas cardíacas ou se esse quadro tem semelhança com a síndrome de Kawasaki -condição rara e de causa desconhecida que pode levar a febres, erupções no corpo e, em casos graves, inflamação dos vasos do coração.
"O que observamos, no entanto, é que no Brasil as crianças com SIM-P são muito mais jovens: enquanto a média de idade global é de 9 anos, aqui as nossas crianças com 5 anos têm esse quadro", diz Back.
Até o momento, porém, sabe-se que a vacinação, por ter uma alta eficácia para prevenir os quadros graves da Covid, ajuda também a proteger contra SIM-P e contra risco de sequelas pós-Covid.
"É absolutamente necessário que as crianças sejam vacinadas, e com o esquema completo. Há muita desinformação, muitos pais se recusam a vacinar os filhos, é preciso alertar que a vacina tem uma segurança absoluta e com isso [a vacinação] conseguimos reduzir as formas graves da doença e o risco de sequela cardiovascular", diz Leal.
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