SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumirá seu terceiro mandato em um país mais vulnerável às mudanças climáticas, com a maior floresta tropical do mundo à beira do ponto de não-retorno e ainda sob crescente pressão internacional para que a produção agropecuária não exporte desmatamento.
O resultado deste mandato definirá a capacidade de o Brasil responder ao desafio climático, cujo prazo dado pela ciência é o final desta década.
É preciso cortar as emissões de gases-estufa pela metade até 2030, segundo o painel do clima da ONU. O desmatamento não é só o principal vetor de emissões do Brasil, como também uma espécie de termômetro derradeiro para o restante do mundo.
Caso o Brasil falhe em zerar o desmatamento da Amazônia nesta década --a meta é parte da contribuição brasileira no Acordo de Paris e também consta entre os compromissos de campanha de Lula--, será menos provável que o mundo consiga frear o aquecimento global. Isso porque a destruição da Amazônia figura entre os nove principais pontos de inflexão do clima no planeta.
O desmate além do ponto de não-retorno --estimado entre 20% a 25% de perda de vegetação, segundo o climatologista da USP Carlos Nobre-- representaria um abismo, a partir do qual o bioma não consegue mais gerar chuvas e se regenerar.
Estados Unidos e China já deram sinais de que avaliam se inspirar na recente legislação europeia que proíbe a importação de commodities ligadas a desmatamento.
Por outro lado, o fundo escandinavo Nordea --que em 2019 havia colocado em quarentena novos investimentos em títulos do governo brasileiro, por conta das queimadas na Amazônia-- já avalia como possível a retomada das aquisições, com a mudança de compromisso ambiental do governo brasileiro.
Diante do cenário internacional, o Ministério do Meio Ambiente continuará sendo cobrado pelas taxas de desmatamento da Amazônia. Agora, mais do que reduzir o desmate, o novo governo terá o desafio de reverter seu patamar, que vinha em uma média de 7 mil km² nos anos anteriores a 2019 e saltou para mais de 13 mil km² em 2021.
Para zerar o desmate até o fim da década, a inversão do sinal político precisa ser imediata. Com essa estratégia em mente, a iniciativa Concertação pela Amazônia propõe um conjunto de 14 medidas que o presidente eleito poderia tomar ainda nos primeiros cem dias de governo.
Entre elas, está a criação de uma secretaria de emergência climática, ligada à Presidência da República. Outras sugestões da iniciativa tratam de pequenos impulsos que poderiam ter efeito dominó em agendas como ordenamento territorial e licenciamento ambiental, que são temas de "boiadas" no Congresso.
A bancada antiambiental aumentou, segundo o Farol Verde, passando dos atuais 37% dos votos da Câmara para 42,6% na próxima legislatura.
Agora representados no Congresso, os apoiadores e executores da política antiambiental de Jair Bolsonaro (PL) podem frear avanços e propor outros retrocessos na legislação ambiental, como novas flexibilizações no Código Florestal. Por prever o cadastro e a regularização ambiental dos imóveis rurais, a lei é uma das medidas consideradas cruciais para reduzir 89% do desmatamento na Amazônia, segundo estudo da Universidade de Oxford e do Inpe.
Apesar da pauta imposta pela geopolítica global, o país também precisa encontrar razões próprias para implementar políticas climáticas. Biomas que não recebem atenção internacional --como o cerrado, o Pantanal, a caatinga e a mata atlântica-- são fundamentais para os brasileiros, por concentrarem serviços ambientais fundamentais à vida, como a provisão de água (que também fica ameaçada pelo clima).
A região da América do Sul, segundo o relatório do painel do clima da ONU lançado no último março, ainda tem grandes chances de efetividade e até cobenefícios ao implementar adaptações climáticas para os sistemas de energia e de irrigação e manejo de água, com impactos residuais ainda pequenos.
Em um cenário mais quente, essas medidas perdem efetividade, indicando a necessidade de planejamento e ações imediatas.
A adaptação climática também implica uma revisão sobre as grandes hidrelétricas na Amazônia - que marcou negativamente a gestão ambiental do PT devido aos impactos socioambientais da usina de Belo Monte, no Pará.
O modelo --que continua sendo defendido pela equipe de Lula-- deve se tornar ainda mais inviável à medida que as mudanças climáticas alteram os padrões de chuva e de vazão dos rios, diminuindo a segurança e perenidade da fonte hidrelétrica.
Lula retorna ao Palácio do Planalto com o discurso ambiental atualizado, mas com desafios mais profundos nas negociações dentro e fora do país. "Será chave cumprir as promessas feitas, e muitos investidores estarão observando de perto", afirma Anders Schelde, um dos diretores do fundo dinamarquês Akademiker Pension.
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